Cine Ceará expôs criatividade do cinema mexicano

Festival só termina amanhã, com o anúncio dos vencedores, mas o balanço já pode ser considerado positivo

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Por Agencia Estado
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Depois da apresentação dos dois últimos concorrentes - os documentários A Cobra Fumou, de Vinícius Reis, e Samba Riachão, de Jorge Alfredo -, encerra-se amanhã a 12.ª edição do Cine Ceará. À noite serão conhecidos os vencedores nas categorias de longas-metragens, curtas e vídeo. Mas o balanço já pode ser considerado positivo. Em boa parte das sessões, o Cine São Luiz esteve lotado e o nível médio dos concorrentes foi de bom para cima. Alguns destaques devem ser contabilizados, como Houve uma Vez Dois Verões, entre os longas, e Um Sol Alaranjado e Domingo, entre os curtas. O problema foi o de sempre: não há filmes inéditos para abastecer todos os festivais do País. De modo que a redundância, a repetição de filmes, nunca está afastada. É um desafio e uma dor de cabeça para os organizadores de festivais, eventos que, convém repetir, têm a vocação da novidade. A melhor coisa do mundo é chegar a um festival sem conhecer os concorrentes; a pior, (re)ver na tela filmes já batidos em outros eventos, ou mesmo títulos que já passaram pelo circuito comercial. Essa prática desfigura os festivais. Samba Riachão, por exemplo, não apenas participou do Festival de Brasília do ano passado, como levou o principal prêmio, dividindo-o com Lavoura Arcaica. A Cobra Fumou participou do festival de documentários paulista É Tudo Verdade e do Festival de Cinema do Recife. São dois filmes interessantes, em patamares diferentes. Um, resgatando um personagem da música popular brasileira, o cantor e compositor baiano Riachão, abre uma fresta para o espectador entender o que o País tem de melhor, a alegria, a criatividade, uma vocação inata para resolver as dificuldades com inteligência e arte. O tal "jeitinho" que, isolado, não vale nada, mas aliado a alguma organização pode dar numa grande cultura. Outro, mostra esse mesmo povo numa situação de guerra. A Força Expedicionária Brasileira, que foi à Itália durante a 2ª Guerra Mundial, era, como escreveu Rubem Braga, um "excelente resumo do País", com sua mistura de estratos sociais distintos e competências desiguais. A Cobra Fumou acerta ao contemplar essa diversidade e tratá-la com humanidade. Alguns depoimentos são comoventes e ajudam o espectador não apenas a entender o que foi a guerra, mas o que é, ainda, o País. O festival funcionou bem não apenas nas mostras competitivas. Houve a retrospectiva Roberto Farias, que homenageou um dos mais importantes diretores nacionais. E o fez da melhor maneira: passando seus filmes. Um público que provavelmente pouco conhecia da carreira do cineasta pôde ver sua obra-prima, O Assalto ao Trem Pagador, o raro Selva Trágica, o político Pra Frente Brasil e o popular Roberto Carlos em Ritmo de Aventura. Roberto Farias tocou o instrumento cinema em várias chaves e atualmente trabalha na Rede Globo. Seria bom vê-lo voltar a filmar. Houve também a instrutiva mostra do cinema mexicano. Em seu novo formato, adotado desde o ano passado, o CineCeará limita a competição entre brasileiros e apresenta um país convidado. No ano passado foi Cuba; neste, foi a vez do México. A mostra apresentada revelou ao espectador cearense uma cinematografia de força no passado e criatividade no presente. Por exemplo, apresentou um clássico de 1937, Redes, dirigido por Emilio Gómez Muriel e um então iniciante Fred Zinnemann, que depois assinaria cults como Matar ou Morrer e A um Passo da Eternidade. O filme, de ficção, que trabalha muito no registro documental, pode ser considerado precursor longínquo do Glauber Rocha de Barravento. Como o longa-metragem de estréia de Glauber, Redes se preocupa em mostrar como os pescadores são explorados pelos donos dos barcos e das redes de pesca. Claro, a aldeia mexicana dos pescadores é um microcosmo para uma análise mais global das relações entre trabalhadores e patrões. Mais do que seu conteúdo político, fica do filme a lembrança de um visual de impacto, com imagens provavelmente inspiradas pelo cinema soviético de Sergei Eisenstein. Além do clássico de outros tempos, a mostra mexicana apresentou vários filmes contemporâneos, como Baixo Califórnia (1998), de Carlos Bolado, Ninguém Escreve ao Coronel (1999), de Arturo Ripstein, Sem Deixar Pistas (2000), de Maria Novaro, e De la Calle (2001), de Gerardo Tort. Este último mostra um retrato impiedoso dos despossuídos da Cidade do México, uma espécie de Los Olvidados dos tempos atuais. Verdade: o trabalho de Tort não tem a grandeza do de Buñuel, mas seu retrato da miséria comove e inscreve-se na memória do espectador. Já Sem Deixar Pistas, de María Novaro, é uma espécie de Thelma & Louise mexicano, um road movie cheio de energia e humor. As duas mulheres são interpretadas pela espanhola Aitana Sanchez-Gijon e pela mexicana Thiara Scanda. A bonitona Thiara esteve em Fortaleza apresentando esse filme feminino e feminista, nunca chato ou didático. A boa notícia é que esses títulos foram comprados pela Art Filmes e serão exibidos no circuito comercial brasileiro. O repórter viajou a convite da organização do festival

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