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Comédia búlgara 'O Pai' traz conflito familiar com tons sobrenaturais

No filme, pai e filho não conseguem se comunicar, como no mundo atual, em que todos estão ligados a aparelhos, mas ninguém se comunica de verdade

Por Luiz Carlos Merten
Atualização:

Raridade nas telas brasileiras, o cinema búlgaro tem chegado ao País por meio dos filmes da dupla Kristina Grozeva/Petar Valchanov. A eles devem-se dois filmes de uma projetada trilogia inspirada em notícias de jornais – A Lição e Glory. O terceiro, The Triumph, ainda está em desenvolvimento. O novo filme da dupla chama-se O Pai. Deveria ter estreado em março/abril, mas, por conta da pandemia, a Pandora está promovendo o lançamento digital e, a partir desta quinta, 7, O Pai estará na plataforma do Belas Artes a la carte.

Cena do filme 'O Pai',da dupla Kristina Grozeva e Petar Valchanov Foto: Pandora Filmes

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Por mais surpreendente que possa parecer a história quando você vir o filme, a base é real. Um funeral, uma chamada telefônica. Na ficção, a morta está chamando, e antes disso o enterro já gerou tensão entre pai e filho. Pavel, o filho, veio da cidade para a última homenagem. Vasili, o pai, lhe pede que fotografe a morta no caixão. É artista, escultor, e já está pensando num trabalho futuro. Desenha-se o embate. Vasili criou fama de dissidente quando a Bulgária ainda era um estado de partido único, integrando o bloco comunista. Na nova economia de mercado, manteve a pose de contestador, mas Pavel sabe que é um hipócrita. Por conta do tal telefonema, o pai recorre a um vidente charlatão. Kristina e Valchanov não têm muitas ilusões sobre a Bulgária pós-comunista – nem o mundo.

Realismo. A história real ocorreu com a mãe de um parente da dupla. Horas depois da morte, apareceu um vizinho alarmado, com um telefone na mão. “Ela ligou há minutos!” Ela, a morta. O que parecia sobrenatural terminou ganhando uma explicação lógica, mas bastou para que Kristina e Valchanov dessem asas à imaginação. Escreveram um argumento, que virou roteiro. Conseguiram financiamento, filmaram. A presença do pai inconformista e criador de problemas guarda certa semelhança com o Toni Erdmann da alemã Maren Ade, a quem o pai foi muitas vezes comparado, mas a dupla descarta a influência numa entrevista por e-mail. “Já estávamos fazendo pitching do nosso filme quando o de Maren, por sinal, muito bom, muito bonito, circulou em festivais internacionais. Foi só uma coincidência de temas, e o nosso pai toma um rumo diferente, não tem nada a ver.”

Comunicar. No filme, pai e filho não conseguem se comunicar, e a ideia é que as pessoas vivem hoje num mundo em que todos estão ligados a aparelhos e formas de comunicação o tempo todo, mas, no fundo, ninguém se comunica de verdade. “Estamos desconectados. O ponto do filme é que Pavel era mais ligado à mãe, mas estava afastado dela. O pai, sendo um artista ególatra, estava afastado dos dois e o verdadeiro problema, a raiz dessa história toda, é que pai e filho estão desligados deles mesmos. É uma coisa muito real, ocorre com frequência no mundo em que vivemos. É engraçado, e também é muito triste. Ou seja, um bom material para filmes.”

Alguma coisa ocorre para juntar de novo esses dois, e como nas notícias de jornal dos outros filmes, a narrativa flui. “Com certeza, mas é para isso que existe a dramaturgia. Alguma coisa tem sempre de quebrar a normalidade do mundo do personagem para que a história aconteça.” Já era assim em

Glory

, em que o funcionário da ferrovia encontrava nos trilhos uma bolsa de dinheiro que encaminhava à polícia. Sua honestidade era recompensada com um relógio que, em seguida, deixava de funcionar e ele virava alvo de chacota, desencadeando a crítica do filme à burocracia e à organização social.

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Popularidade local. Na Bulgária,

O Pai

também deveria ter estreado em março. “Mas aí houve essa coisa chamada pandemia, que está prendendo todo mundo em casa. Estamos muito curiosos para saber qual será a reação do público, mas teremos de esperar o fim da quarentena. Já tivemos um aperitivo em setembro passado, quando

O Pai

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venceu o Golden Rose Festival de Varna. Ganhou como melhor filme, roteiro e ator, na verdade, atores, porque o prêmio foi dividido entre os dois. Ivan Barnev (Pavel) é um ator muito popular de cinema e teatro. Ivan Savov (Vasili) aposentou-se do teatro, mas pontualmente ainda dirige algumas peças. Temos uma boa inveja dele, que adora sair velejando, e assim leva a vida.”

Os dois são amigos, estão sempre em contato, e isso ajudou muito na construção dos personagens. “Gostamos de dar liberdade aos atores, claro que dentro da estrutura do roteiro e do diálogo. Temos um diretor de fotografia, Krum Rodriguez, que é o melhor na arte de seguir os atores com a câmera, no set, então podemos dizer que há, sim, um tanto de improvisação no nosso cinema.

Correções

Raridade nas telas brasileiras, o cinema búlgaro tem chegado ao País por meio dos filmes da dupla Kristina Grozeva/Petar Valchanov. A eles devem-se dois filmes de uma projetada trilogia inspirada em notícias de jornais – A Lição e Glory. O terceiro, The Triumph, ainda está em desenvolvimento. O novo filme da dupla chama-se O Pai. Deveria ter estreado em março/abril, mas, por conta da pandemia, a Pandora está promovendo o lançamento digital e, a partir desta quinta, 7, O Pai estará na plataforma do Belas Artes a la carte. Por mais surpreendente que possa parecer a história quando você vir o filme, a base é real. Um funeral, uma chamada telefônica. Na ficção, a morta está chamando, e antes disso o enterro já gerou tensão entre pai e filho. Pavel, o filho, veio da cidade para a última homenagem. Vasili, o pai, lhe pede que fotografe a morta no caixão. É artista, escultor, e já está pensando num trabalho futuro. Desenha-se o embate. Vasili criou fama de dissidente quando a Bulgária ainda era um estado de partido único, integrando o bloco comunista. Na nova economia de mercado, manteve a pose de contestador, mas Pavel sabe que é um hipócrita. Por conta do tal telefonema, o pai recorre a um vidente charlatão. Kristina e Valchanov não têm muitas ilusões sobre a Bulgária pós-comunista – nem o mundo. Realismo. A história real ocorreu com a mãe de um parente da dupla. Horas depois da morte, apareceu um vizinho alarmado, com um telefone na mão. “Ela ligou há minutos!” Ela, a morta. O que parecia sobrenatural terminou ganhando uma explicação lógica, mas bastou para que Kristina e Valchanov dessem asas à imaginação. Escreveram um argumento, que virou roteiro. Conseguiram financiamento, filmaram. A presença do pai inconformista e criador de problemas guarda certa semelhança com o Toni Erdmann da alemã Maren Ade, a quem o pai foi muitas vezes comparado, mas a dupla descarta a influência numa entrevista por e-mail. “Já estávamos fazendo pitching do nosso filme quando o de Maren, por sinal, muito bom, muito bonito, circulou em festivais internacionais. Foi só uma coincidência de temas, e o nosso pai toma um rumo diferente, não tem nada a ver.” Comunicar. No filme, pai e filho não conseguem se comunicar, e a ideia é que as pessoas vivem hoje num mundo em que todos estão ligados a aparelhos e formas de comunicação o tempo todo, mas, no fundo, ninguém se comunica de verdade. “Estamos desconectados. O ponto do filme é que Pavel era mais ligado à mãe, mas estava afastado dela. O pai, sendo um artista ególatra, estava afastado dos dois e o verdadeiro problema, a raiz dessa história toda, é que pai e filho estão desligados deles mesmos. É uma coisa muito real, ocorre com frequência no mundo em que vivemos. É engraçado, e também é muito triste. Ou seja, um bom material para filmes.” Alguma coisa ocorre para juntar de novo esses dois, e como nas notícias de jornal dos outros filmes, a narrativa flui. “Com certeza, mas é para isso que existe a dramaturgia. Alguma coisa tem sempre de quebrar a normalidade do mundo do personagem para que a história aconteça.” Já era assim em Glory, em que o funcionário da ferrovia encontrava nos trilhos uma bolsa de dinheiro que encaminhava à polícia. Sua honestidade era recompensada com um relógio que, em seguida, deixava de funcionar e ele virava alvo de chacota, desencadeando a crítica do filme à burocracia e à organização social. Popularidade local. Na Bulgária, O Pai também deveria ter estreado em março. “Mas aí houve essa coisa chamada pandemia, que está prendendo todo mundo em casa. Estamos muito curiosos para saber qual será a reação do público, mas teremos de esperar o fim da quarentena. Já tivemos um aperitivo em setembro passado, quando O Pai venceu o Golden Rose Festival de Varna. Ganhou como melhor filme, roteiro e ator, na verdade, atores, porque o prêmio foi dividido entre os dois. Ivan Barnev (Pavel) é um ator muito popular de cinema e teatro. Ivan Savov (Vasili) aposentou-se do teatro, mas pontualmente ainda dirige algumas peças. Temos uma boa inveja dele, que adora sair velejando, e assim leva a vida.” Os dois são amigos, estão sempre em contato, e isso ajudou muito na construção dos personagens. “Gostamos de dar liberdade aos atores, claro que dentro da estrutura do roteiro e do diálogo. Temos um diretor de fotografia, Krum Rodriguez, que é o melhor na arte de seguir os atores com a câmera, no set, então podemos dizer que há, sim, um tanto de improvisação no nosso cinema.

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