LONDRES – Em outra vida, Sam Taylor-Johnson poderia ter cruzado o caminho de Amy Winehouse. A cineasta e a cantora tinham alguns amigos em comum, “mas nunca chegamos a nos conhecer”, disse Taylor-Johnson recentemente. “Era um estranho jogo de desencontros”, acrescentou ela: “Eu chegava a algum lugar e ela tinha acabado de sair”.
Taylor-Johnson é diretora de Back to Black, novo filme biográfico sobre Amy Winehouse estrelado por Marisa Abela (Industry) como a amada cantora britânica. O longa chega aos cinemas brasileiros nesta quinta-feira, 16. Nos treze anos desde que Winehouse morreu de intoxicação alcoólica, em sua casa no norte de Londres, aos 27 anos, surgiram um álbum póstumo, um livro de memórias de seu pai, um documentário vencedor do Oscar e diversas exposições sobre sua vida.
Alguns desses projetos – mais notavelmente o documentário Amy, de 2015 – deram ênfase à maneira como o interesse feroz do público e dos tabloides em sua vida pessoal havia alimentado os vícios de Amy. (Em uma resenha sobre o documentário para o New York Times, Manohla Dargis escreveu: “O mais chocante agora é perceber que todos nós estávamos assistindo à morte dela”).
Para Taylor-Johnson, estava na hora de criar uma narrativa que celebrasse a cantora por “suas grandes conquistas”, disse ela. Um documentário é uma análise forense da vida de alguém, disse Taylor-Johnson, mas ela considera que seu filme “é mais poético”.
Back to Black gira em torno do relacionamento turbulento de Amy Winehouse com Blake Fielder-Civil, um romance intermitente que inspirou o álbum homônimo da artista. “Ela conta a própria história na narrativa das suas canções”, disse Taylor-Johnson. Usar as letras como principal fonte de material do filme colocou a perspectiva de Amy no centro, disse ela.
Quando Back to Black chegou ao Reino Unido e à Irlanda no mês passado, alcançou o primeiro lugar nas bilheterias, arrecadando 2,8 milhões de libras (US$ 3,4 milhões) no fim de semana de estreia. Mas dividiu os críticos. “As atuações são muito corajosas”, disse uma resenha no Irish Times, enquanto a crítica do Observer estremeceu com os “erros de julgamento catastróficos” do filme.
O filme também polarizou pessoas que conheceram a artista. Seu amigo Tyler James reclamou que o longa “edulcorou” a vida de Amy, mas Fielder-Civil, que é interpretado por Jack O’Connell, descreveu que assistir ao longa foi “quase terapêutico”.
A atriz perfeita para interpretar Amy Winehouse
Numa entrevista por vídeo de sua casa em Londres, uma semana depois da estreia britânica do filme, Taylor-Johnson disse que vinha ignorando as críticas. “Não leio nada e, se um amigo começa a me contar, desligo na cara dele”, disse a diretora. “Não quero que me tirem do meu caminho”.
Para concretizar a forte mistura de sagacidade, obscenidade e vulnerabilidade de Amy Winehouse, a produção precisava encontrar a atriz certa. Abela – que, assim como Winehouse, é judia – disse numa entrevista por vídeo que ela e a cantora tinham “uma criação semelhante”. Ela também se identificou com a intensidade da cantora, disse. “Quando ela está seguindo o caminho dela, ela vai com tudo”, disse Abela.
Ela estudou os maneirismos da cantora trabalhando com um professor de movimento para aperfeiçoá-los. Abela também tentou entender o que estava por trás dos tiques de Winehouse: será que ela ficou mais tensa nos movimentos “porque estava irritada e queria ser levada a sério como cantora de jazz?”, Abela ficou se perguntando.
Embora Abela e Taylor-Johnson tenham dito que queriam que o filme destacasse as conquistas musicais da artista, seu processo criativo tem pouco tempo de tela. Por exemplo: Mark Ronson, o produtor americano que colaborou com Amy em Back to Black, ficou de fora, porque não se enquadra no foco da “poderosa, inebriante e tóxica história de amor” de Winehouse e Fielder, disse Taylor-Johnson.
O’Connell interpreta Fielder-Civil com uma arrogância de bad boy, numa abordagem muito menos cética do que no documentário Amy, de Asif Kapadia, que apresentou o ex-marido como um oportunista. “Quando estamos na perspectiva de Amy, nosso julgamento sobre Blake é irrelevante. Ela ama Blake”, disse Taylor-Johnson.
Na vida real, Fielder-Civil admitiu ter apresentado heroína à cantora, mas, no filme, ela começa a usar drogas pesadas sozinha. Taylor-Johnson disse que era sua responsabilidade reconhecer as lutas de Amy contra a depressão, o vício e a bulimia, “mas não as glamourizar de jeito nenhum, nem as mostrar em cenas demais.”
Abela disse que não achava que a vida de Amy tivesse de ser higienizada para a cinebiografia, mas Back to Black omite certos eventos, como parte de uma infame apresentação em Glastonbury, no ano de 2008, na qual Winehouse pareceu dar um soco em alguém na plateia enquanto cantava Rehab. Quando o filme recria o show de Glastonbury, Winehouse canta Me and Mr. Jones e não bate em ninguém.
“É incrivelmente trágico cantar Rehab bêbada, certo?”, disse Abela. Como alternativa, o filme mostra Amy cantando Rehab em triunfo sóbrio na noite em que ganhou cinco Grammys. “Foi ali que escolhemos apresentar a música”, disse Abela.
A cantora não “esfregava sua autodestruição na cara de todo mundo, não ficava no Instagram postando fotos das suas sapatilhas de balé despedaçadas”, disse Abela. “Amy disse que queria que seu legado fosse a história de amor” retratada no álbum Back to Black. Essa cinebiografia, acrescentou Abela, foi uma forma de homenagear essa escolha. / TRADUÇÃO DE RENATO PRELORENTZOU
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