O papa morreu. Os cardeais se reúnem para escolher o sucessor. Este é o mote de Conclave, que concorre em oito categorias no Oscar 2025. O filme é de Edward Berger, diretor da versão contemporânea de Nada de Novo no Front, sobre a 1ª Guerra Mundial, inspirado no romance poderoso de Erich Maria Remarque.
De certa forma, Conclave é também um filme de guerra - mas por outros meios. Por certo, é sobre política. Sobre tática, estratégia, competição e golpes baixos, motivados às vezes por altos ideais e outras por motivos pessoais e egoístas. A trama é baseada no livro de Robert Harris, romancista “de aeroporto” como designam alguns críticos, com ar superior, mas costuma dar certo no cinema - é dele também o livro no qual se baseou Roman Polanski para o ótimo O Oficial e o Espião (2019), sobre o caso Dreyfus.
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Em Conclave, os cardeais de todo o mundo, reunidos sob o comando do cardeal Lawrence (Ralph Fiennes), votarão em seus candidatos até chegarem à maioria e um novo nome seja eleito para comandar a Igreja até sua morte - ou renúncia, como o ocorreu em nossa época com o afastamento voluntário de Bento 16 (Joseph Ratzinger), que acabou dando lugar ao papa atual, Francisco, o argentino Jorge Bergoglio.
Inspirado em Harris, Berger dá a essa reunião um tom de suspense. Conclave é, como definiu o jornal francês Libération, uma espécie de “thriller clerical”. Qual o segredo dessa fórmula? Num ambiente de máxima religiosidade, expõe a forma laica de todas as artimanhas políticas empregadas na conquista do poder. A disputa pelo poder, como se sabe, pode ter suas regras escritas, mas se dá também num ambiente de estratagemas, alguns deles muito pouco ortodoxos. Para manter o suspense, a indefinição da luta é mantida até o fim.
Outro dos trunfos de Conclave é mostrar essa disputa em termos sutilmente inspirados em temáticas contemporâneas. Os personagens vestem-se de maneira cerimonial. Nos dias de votação, desligam-se do mundo e internam-se na Capela Sistina (reproduzida nos estúdios de Cinecittà). Mas trazem o mundo e seus problemas para dentro desse ambiente reservado. Levam suas contradições mundanas para o interior dos santos muros pintados por Michelangelo.
Nesse espaço fechado assistem-se aos debates sobre política eclesiástica. Entre os grupos que se formam e se opõem, discutem-se os rumos da Igreja Católica. Neste mundo em convulsão a Igreja deve ter um papa moderno, antenado com a contemporaneidade, ou, pelo contrário, um papa conservador para reforçar a tradição como âncora moral e espiritual em uma época carente de referências?
Essa questão mais geral e, por assim dizer, mais nobre, acaba encoberta por preocupações, digamos, mais terrenas, como a vaidade e a busca pelo poder. À medida que as votações se sucedem, desenham-se favoritos e azarões. Há pedras no meio do caminho de alguns desses favoritos. Alguns escândalos desenham-se neste santo ambiente, e a disputa ganha ares de imprevisibilidade.
Fiel à noção de thriller, Berger mantém a tensão até o fim sem que o espectador possa adivinhar qual será o vencedor. E, sobretudo, qual será o fator decisivo para a vitória. As surpresas dos lances finais por certo serão do agrado de alguns e parecerão inverossímeis - e talvez escandalosas - a outros.
Na verdade, esses desenvolvimentos confrontarão os espectadores com suas próprias ideias a respeito de racismo, machismo, misoginia, homofobia, imigração, etc. Ou seja, os tais temas contemporâneos que, quase de forma literal, invadem o Vaticano ao longo de uma eleição papal tornada explosiva.
No todo, Conclave é muito bem dirigido. Em estilo clássico, Berger encena com rigor a ritualística em seus detalhes - a quebra do anel do papa morto, a cerimônia das votações sucessivas, as mensagens ao povo pela fumaça negra (papa não escolhido) e a fumaça branca (novo papa eleito). As vestes, o ambiente finamente reconstituído e, em especial, um elenco de ponta (Stanley Tucci, Sergio Castellitto, Isabella Rossellini), no qual sobressai sem dúvida Ralph Fiennes, o atormentado cardeal Lawrence que conduz a votação e é, ele próprio, um dos candidatos mais fortes.
A excelência cinematográfica de Conclave tende a se traduzir em prêmios. É o principal concorrente ao Bafta, o “Oscar britânico”, com o maior número de indicações - 12 - e presente nas principais categorias.
O reparo possível se concentra no terço final, quando o desejo de enviar uma mensagem progressista aos contemporâneos força a trama a uma série de reviravoltas um tanto forçadas. O desfecho, em especial, pode ser visto por parte do público como ápice desse artificialismo. Ou como revolucionário por outra parte. Você decide.