"Corpo Fechado" traz Bruce Willis

Do mesmo diretor de O Sexto Sentido, o americano de origem indiana M. Night Shyamalan, o filme liga-se ao universos dos gibis mostrando como se constrói um super-herói e mostra que o tema não é só a construção do herói, mas também a do vilão

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Por Agencia Estado
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Gênio ou blefe? Não, não é A Bruxa de Blair. Nesse caso, não há dúvida que é blefe. A dúvida refere-se a M. Night Shyamalan, o diretor de O Sexto Sentido e, agora, de Corpo Fechado. Há um caso Shyamalan no cinema americano e não apenas porque, com O Sexto Sentido ele faturou US$ 600 milhões nos cinemas de todo o mundo. É uma fábula de dinheiro. Posto que Hollywood é indústria e só (muito) raramente, cada vez mais, arte, o sucesso transformou Shyamalan em queridinho dos produtores. O caso não é esse. O diretor americano de origem indiana é um homem de idéias. Domina os códigos do cinemão, mas os utiliza para discutir conceitos de vida e morte, de carma e purificação, para os quais não deve ser estranha sua ascendência indiana. Corpo Fechado talvez seja até melhor do que O Sexto Sentido, mas com certeza não vai fazer o mesmo sucesso. O outro filme era mais uma história bem narrada, com um desfecho de impacto. À luz desse desfecho, muitos espectadores foram rever o filme para entender melhor a forma como o diretor, também roteirista, conta sua história. Queriam descobrir os furos do relato. Surpreendentemente, não havia furo algum. O filme é sólido. Corpo Fechado começa de forma impressionante e também tem um desfecho de impacto, mas desta vez Shyamalan trabalha mais no registro da ambivalência e, mesmo quando se utiliza dos códigos tradicionais, não só do cinema mas também dos quadrinhos, na verdade o faz para subvertê-los. Corpo Fechado é perturbador como, por exemplo, Seven, Os Sete Pecados Capitais, de David Fincher, que também investigava os limites do bem e do mal, a forma como interagem. O novo filme começa com um letreiro cheio de informações sobre o universo dos gibis. Quanto são comprados por dia, por ano nos EUA, quanto tempo de sua vida um fã dispende lendo gibis quantos possui na sua coleção. Logo em seguida, começa a narrativa. A data é no passado. Um bebê acaba de nascer. É um menino negro, mas não é isso que interessa, a cor da pele. Chora sem parar, a mãe indaga do médico se isso é normal. Ele pede uma ambulância, rápido. Diz que o bebê nasceu com braços e pernas quebrados. Sofreu a fratura no útero materno. Corte para o presente. Bruce Willis é o passageiro num trem. É um sujeito normal. Tira a aliança para tentar paquerar a bela passageira ao seu lado. Não consegue nada. Há um acidente com o trem, 131 passageiros morrem, só ele sobrevive, e sem um arranhão. A partir daí, evolui o drama. Elijah, interpretado por Samuel L. Jackson, sofre de uma doença degenerativa dos ossos que faz dele o sr. Vidro, suscetível de quebrar a toda hora. Ele irrompe na vida de Willis, tentando saber tudo sobre ele - se alguma vez ficou doente, se já se feriu. Elijah induz Willis a se transformar em herói e o filme liga-se ao universos dos gibis mostrando como se constrói um super-herói. Mas como não há herói sem vilão, o bem e o mal são as diferentes faces do mesmo caráter. Corpo Fechado subverte, ou pelo menos embaralha, o maniqueísmo da maioria das aventuras de Hollywood. E, num desfecho de impacto, mostra que o tema não é só a construção do herói, mas também a do vilão. Essa tendência, a construção do herói, a sua humanização é dominante nos gibis dos anos 90. Shyamalan, que trabalha com a cultura de massas, reflete sobre esse universo. Se sua formação for em cultura clássica, filosofia, alta literatura, você vai achar bobagem. Mas se você, mesmo ligado em filosofia, curtir a comunicação de massa, vai embarcar na viagem proposta por Shyamalan, que tem mesmo um talento ou habilidade especial para trabalhar temas num registro que se pode definir como "sobrenatural". Blefe, não; gênio, também não, é excessivo. Mas Shyamalan é cada vez mais um caso interessantíssimo no cinema americano.

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