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Diretor iraniano fala sobre postura de seu país em relação ao cinema e chamado a devolver esperança

‘Beyond the Wall’ é o primeiro iraniano da competição em Veneza, que tem também ‘No Bears’, de Jafar Panahi

Por Mariane Morisawa
Atualização:

Beyond the Wall, de Vahid Jalilvand, é o primeiro dos dois longas iranianos em competição no 79º Festival de Veneza. O outro é No Bears, de Jafar Panahi, que foi preso recentemente pelo governo do seu país. Mas como explicar que, com todo o controle exercido por lá, haja dois filmes, inclusive um de um diretor preso, em um dos festivais internacionais de maior prestígio?

'Beyond the Wall' de Vahid Jalilvand está na mostra competitiva do Festival de Veneza.  Foto: Guglielmo Mangiapane/Reuters

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Para Jalilvand, o governo iraniano tem uma postura ambivalente em relação ao assunto. “De um lado, eles ficam felizes porque, com a exibição, o cinema iraniano ganha credibilidade e está sendo visto. De outro, eles ficam preocupados que possam dizer algo contra o governo”, disse ele em entrevista com a participação do Estadão, em Veneza. “Mas eu acho que as obras mostradas nos festivais são mais universais do que sobre a sociedade iraniana. Outras pessoas que viram este filme acham que a história podia se passar em outros lugares, inclusive da Europa.”

No filme, Ali (Navid Mohammadzadeh) enfrenta problemas de visão e está preso em casa. Leila (Diana Habibi), uma fugitiva da polícia depois de ter sido presa em um protesto contra atraso de pagamento, esconde-se ali. O perigo está sempre perto, porque Ali parece ser constantemente vigiado. A tensão cresce, e o diretor faz uso criativo do flashback para mostrar o que aconteceu e o que está acontecendo, na verdade. Naquele ambiente fechado ali, Jalilvand contém o medo e a opressão de uma sociedade injusta.

A ideia do filme veio quase como um chamado. Jalilvand estava procurando um novo projeto depois de Sem Data, Sem Assinatura (2017) quando ouviu um áudio de um dos maiores especialistas em literatura persa, falando com seus alunos na universidade. “Ele implorava aos alunos, professores, qualquer pessoa em qualquer ramo da arte, que trouxesse de volta a esperança perdida das pessoas. Não apenas no Irã, mas no mundo todo”, contou. “Eu já tinha a responsabilidade de escrever um novo filme e agora tinha a responsabilidade adicional de meu mestre pedir que devolvesse a esperança perdida.”

O diretor começou a caminhar pelas ruas prestando atenção nas coisas escritas nas paredes, ler livros, ouvir discos. Uma noite, na casa de um amigo, acabou recitando um poema que falava de sonhos. “Foi esse o início de Beyond the Wall. A partir dali as palavras e a história começaram a fluir.”

Não houve nenhuma dificuldade de conseguir a permissão para rodar, mesmo contendo elementos potencialmente problemáticos, como o protesto, a ação da polícia, o estado de vigilância. “Ou não leram direito ou, por ser um pouco surreal, não entenderam”, disse o cineasta.

As dificuldades foram outras. Apesar de ser um filme bastante confinado, há grandes cenas, como do protesto, com 800 figurantes, e do acidente com o camburão. Por causa da covid, os figurantes iam embora depois do almoço. A solução foi gravar cada um, por quase um mês, e depois, com a ajuda dos efeitos visuais, juntá-los, o que levou 20 meses. Uma estrada de quase dois quilômetros foi construída para filmar o acidente sem atrapalhar a população.

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Para dar ao ator a sensação de que ele estava em uma cela, a equipe não podia fazer nenhum barulho. “Eu nem dizia ação”, contou Jalilvand. Navid Mohammadzadeh também usava lentes especiais para simular baixa visão. Elas só deixavam passar um pouco de luz ao longe. Para que nenhum movimento fosse percebido pelo ator, os integrantes da equipe usaram roupas da mesma cor das paredes. “Vai dar para ver tudo isso no vídeo de making of que vamos lançar”, disse o diretor.

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