Em entrevista, Nicoletta Mantovani fala sobre o documentário 'Pavarotti', de Ron Howard

Viúva do tenor também deu detalhes de como era a vida ao lado de Luciano Pavarotti, icônica figura da ópera mundial

PUBLICIDADE

Por Mariane Morisawa
Atualização:
Tenor mais emblemático do século 20, Luciano Pavarotti ganhou um documentário de Ron Howard sobre sua vida pessoal e profissional Foto: Ethan Miller/ Reuters

ZURIQUE - A primeira vez que Nicoletta Mantovani viu Pavarotti, de Ron Howard, ela chorou a duração toda do documentário. Mas, desde então, a viúva do tenor italiano, morto em 2007, tem rodado o mundo para divulgar o filme. “Pode parecer estranho, mas promover o longa me ajuda a estar mais perto dele”, disse em entrevista ao Estado, durante o Festival de Zurique. “Continuo trabalhando para ele, como antes.” Mantovani conheceu o cantor quando tinha 23 anos e foi sua assistente pessoal. Em 1996, explodiu o escândalo de que os dois eram amantes, quando Pavarotti ainda era casado com sua primeira mulher, Adua Veroni, com que ficou entre 1961 e 2000 e que é mãe de suas três filhas mais velhas. Com Nicoletta, ele teve Alice, nascida em 2003 – o outro bebê, Riccardo, morreu em complicações no parto. Nesse mesmo ano, Nicoletta e Pavarotti se casaram. 

Nicoletta Mantovani durante a estreia de 'Pavarotti', no 15.º Festival de Cinema de Zurique Foto: Andreas Rentz/ Zurich Film Festival

PUBLICIDADE

Tudo isso está no documentário, que estreia na quinta, 17, e explora tanto o lado artístico quanto a vida pessoal do tenor. As mágoas da primeira mulher e das filhas ficaram para trás e, segundo Nicoletta Mantovani, o filme foi feito de comum acordo. “Temos uma boa relação agora. Uma das filhas dele tem uma menina da idade da minha, elas se falam o tempo todo”, disse. “A decisão era fazer um tributo completo a Luciano. Adua e suas filhas são uma parte fundamental da vida de Luciano e tinham de estar presentes.” 

A ideia do filme surgiu no aniversário de dez anos da morte de Pavarotti. “A gravadora Decca, que é parte da Universal, quis fazer uma homenagem a Luciano”, contou Mantovani, enfatizando que Pavarotti nunca trocou de gravadora. Ron Howard tinha feito um documentário sobre os Beatles, então foi a escolha lógica. “Abrimos nossos arquivos para ele e demos carta branca”, disse Mantovani. “Queríamos que ele fizesse sua própria jornada por Luciano e também pela ópera, que ele não conhecia bem. Eu achei ótimo, porque o sonho de Luciano foi sempre levar a ópera a todos.” O diretor, garantiu ela, teve o corte final. “Procurávamos a sua visão. Ele trouxe novos olhares sobre o Luciano, de pessoas que o amavam, gente que compartilhou sua carreira com ele, seus colegas de ópera. Mas, no fim, há traços comuns que aparecem nesses diversos olhares: paixão, amor e curiosidade. Ele era muito curioso e aberto a novas coisas, queria aprender algo todo dia.” 

Lady Di e Luciano Pavarotti antes do concerto do tenor em prol das crianças da Bósnia, em 1995 Foto: Vicenzo Pinto/ Reuters

O documentário mostra sua carreira na ópera, mas dá igual destaque a seus projetos mais populares, como Os Três Tenores, com Plácido Domingo e José Carreras, e Pavarotti e Amigos, uma série de apresentações beneficentes com a participação de artistas pop como Sting e Bono. Em muitas causas humanitárias, ele se juntou à Princesa Diana, que conheceu no início dos anos 1990. “Os dois tinham a mesma conexão com as pessoas, tinham o coração aberto a outros seres humanos, o que é muito raro de encontrar”, disse Nicoletta Mantovani. Com o U2, Pavarotti gravou Miss Sarajevo, em prol das crianças vítimas da Guerra da Bósnia. “Ele cresceu durante a Segunda Guerra Mundial e sempre me disse que, quando as bombas estavam explodindo, a única coisa que fazia com que se sentisse melhor era dar a mão aos amigos e cantar mais alto do que as bombas.” Hoje, Mantovani administra uma fundação que ajuda jovens cantores, mas o grande sonho é fundar uma academia de música gratuita, como Pavarotti desejava.

O filme também dedica bastante tempo a mostrar alguns traços da personalidade de Luciano Pavarotti, como o sorriso largo, as piadas e a enorme quantidade de malas que carregava – muitas guardavam um carregamento precioso de panelas, utensílios de cozinha, massa, vinagre balsâmico e queijos vindos diretamente da Itália. “Ele sempre estava cozinhando para todo o mundo. Sempre havia um prato de massa, a qualquer hora do dia, um pedaço de queijo ou salame”, contou Mantovani. “Ele cresceu na pobreza durante a guerra e oferecer comida para as visitas era obrigatório.” 

Ao lado de Bono Vox, do U2, tenor gravou a canção 'Miss Sarajevo', em 1995 Foto: Alessia Pierdomenico/ Reuters

Foi essa personalidade generosa e aberta que encantou a jovem de 23 anos – o cantor tinha então 58. “O amor é uma coisa misteriosa”, disse ela. “Eu estava tão feliz, porque ele era tão especial, que nunca pensei muito no futuro. Nem na diferença de idade. Como Luciano dizia, ele era o mais jovem do casal, por causa de sua atitude.” O que Nicoletta sente mais falta é justamente sua felicidade e seu sorriso. “Ele fazia qualquer dia ser especial, qualquer mau momento se transformar em bom momento.” Além do ensinamento de aproveitar a vida ao máximo, Nicoletta Mantovani leva consigo as superstições de Luciano Pavarotti, como não usar roxo e ter pregos torcidos como amuleto. “É estranho, eu às vezes abro bolsas, mesmo bolsas novas, e encontro um prego retorcido dentro. Então eu os carrego comigo.”

Luciano Pavarotti era comumente visto ao lado de grandes astros da música pop. Na foto, eleposa ao lado de Michael Jackson para um programa de televisão na Itália, em 1997 Foto: Handout/ Reuters
Comentários

Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.