Feminismo avança no Festival de Cinema de Veneza

Oito mulheres disputam o Leão de Ouro; um dos destaques é 'Miss Marx', sobre a trágica vida da filha mais nova de Karl Marx

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Por Kelly Velasquez
Atualização:
Romola Garai e Patrick Kennedy em 'Miss Marx' Foto: Celluloid Films

Em uma edição marcada pelo coronavírus, o feminismo dominou a semana no Festival de Veneza, com filmes que narram as combativas e difíceis vidas das mulheres.

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Por anos criticado pela ausência de diretoras na mostra oficial, o festival italiano exibe em 2020 o seu lado mais feminista.

Com oito mulheres contra 10 homens na disputa pelo Leão de Ouro, a Mostra não apenas se aproxima da debatida paridade, mas também aposta em um cinema com olhar feminista e com argumentos muito femininos. 

Este é o caso da trágica vida da filha de Karl Marx, narrada no filme Miss Marx da italiana Susanna Nicchiarelli, muito elogiado pela crítica. A filha mais nova do pai do comunismo, Eleanor, foi uma das primeiras mulheres a associar a luta por igualdade das mulheres com a luta de classes do fim do século 19.

"Todas somos Miss Marx", escreveu a crítica Teresa Marchesi no Huffpost, em referência à história atormentada de uma mulher inteligente e brilhante, que acreditava no poder libertador da cultura e da arte, mas que cometeu suicídio aos 43 anos por um relacionamento amoroso tortuoso, desgastada pela infidelidade do companheiro.

O filme sobre a filha mais nova de Marx, nascida em Londres em 1855, é um hino ao feminismo e combina linguagens diferentes, imagens do século 19 com música ultramoderna, misturando, como aconteceu na vida da protagonista, razão e sentimento.

"Miss Marx é o filme socialista e feminista que o cinema e o mundo atual precisam", afirma o jornal especializado Fotogramas.

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"Não, eu não definiria como um filme feminista", declarou a diretora, antes de destacar, no entanto, que Eleanora foi "a primeira a utilizar o socialismo para seu discurso feminista e a falar de feminismo em termos econômicos".

Completamente diferente, mas com uma temática também muito feminina, é o filme Pieces of a Woman, do diretor húngaro Kornél Mundruczó. Dirigido por um homem, o longa narra a história de uma mulher que perde o bebê depois do parto. A produção, com licenças poéticas banais, descreve a perda, a dor e aborda os sentimentos inexplicáveis que uma tragédia provoca até acabar com uma família.

Com roteiro de Kata Wéber, esposa do diretor, o filme descreve as fases do luto: negação, ira, depressão e finalmente aceitação.  Protagonizado pela atriz inglesa Vanessa Kirby, conhecida pela série de TV The Crown, a produção começa com uma cena impressionante de parto em casa, que dura quase 40 minutos e foi filmado em apenas uma tomada.

"Minha esposa e eu queríamos compartilhar com o público uma de nossas experiências mais pessoais, com a história de um menino que nasce morto, com a esperança de que a arte possa ser o melhor remédio para a dor", confessou o cineasta.

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História com H maiúsculo

Dois filmes, também na mostra competitiva, abordam dores e tragédias coletivas a partir do ponto de vista de uma mulher. Este é o caso de Quo Vadis, Aida?, produção bósnia da diretora Jasmila Zbanic sobre o massacre de Srebrenica. A protagonista, Jasna Duricic, interpreta uma mãe que tenta salvar, sem sucesso, a família. A atriz já é considerada uma das favoritas ao prêmio Copa Volpi por sua atuação.

Mais que o feminismo, a transformação de uma mulher com ideais ferrenhos inspira o renomado e premiado diretor, roteirista e produtor russo Andrei Konchalovsky para seu filme Dorogie tovarischi (Queridos camaradas).

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O cineasta, de 83 anos, com uma extensa filmografia, é um dos favoritos ao Leão de Ouro com um longa que narra um massacre que realmente aconteceu na União Soviética em junho de 1962 e que permaneceu em sigilo por décadas.

Konchalovsky, vencedor de dois Leões de Prata (2016 e 2014), volta ao Lido com um filme em preto branco, de duas horas de duração, sobre a História com H maiúsculo e contada através dos olhos de uma mulher, militante convicta do Partido Comunista local, que abandona os ideais depois de presenciar o massacre cometido na cidade soviética de Novocherkassk, durante o qual sua filha desaparece.

Para reprimir as greves e protestos, soldados do exército e agentes da KGB abriram fogo contra os manifestantes: 26 pessoas desarmadas morreram, mais de 200 foram detidas e sete foram condenadas à morte.

"Meu filme é um tributo à geração que viu a derrubada de seus ideais e mitos", explicou Konchalovsky.