Filme de Manoel de Oliveira é destaque em Veneza

Palavra e Utopia será exibido nesta sexta-feira pela mostra competitiva do festival. Em outubro, abre oficialmente 24.ª Mostra de Cinema em São Paulo

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Por Agencia Estado
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Foi no começo dos anos 70. Paulo Branco, na flor dos 20 anos, conheceu Manoel de Oliveira, que já era um nome importante do cinema português. Reencontraram-se em Paris, em 1978, quando Branco possuía um cinema de arte e fez questão de exibir Amor de Perdição, do autor que admirava tanto. Selaram ali uma grande amizade. Branco virou o produtor que tem conseguido tornar viáveis os projetos do grande Manoel. São 17 (ele hesita - 17 ou 18?) filmes conjuntos. O mais recente Palavra e Utopia integra a mostra competitiva do Festival de Veneza deste ano. Passa nesta sexta-feira no Lido. A boa nova, que Branco confirma pelo telefone, falando do escritório de sua empresa produtora em Paris, é que Palavra e Utopia vai abrir oficialmente a 24.ª Mostra Internacional de Cinema em São Paulo, em outubro. No dia 19 daquele mês, Manoel de Oliveira e ele estarão de volta ao País. É um projeto muito querido do diretor, que sempre sonhou em fazer um filme baseado na figura do padre Antônio Vieira. "É um extraordinário escritor, um dos maiores da língua portuguesa", diz o produtor, assinalando a fascinação de Oliveira pela palavra no cinema. Some-se a isso o que ele chama de "vida fabulosa do padre Vieira no Brasil e em Portugal" e está mais do que justificada a realização do filme, num ano como este, em que se comemoram os 500 anos do Descobrimento. O filme passa na mostra e só em novembro estréia em Portugal. "É a nossa oferta ao público brasileiro, que será o primeiro, em todo o mundo, a ver Palavra e Utopia, após a mostra de Veneza", diz Branco. Para os padrões de Oliveira, é um filme caro. Custou cerca de US$ 3 milhões. Branco conta que levantou a verba com a Comissão dos 500 Anos, com o Instituto Camões e com a participação do Ministério da Cultura (e da secretaria do Audiovisual) no Brasil. Acrescenta que Oliveira há tempos queria filmar com Lima Duarte. "Quando se decidiu por Palavra e Utopia, sentiu que era o ator perfeito para o papel." Branco lembra que Oliveira já prestou tributo ao padre Vieira em outro filme. Um dos sermões da série dedicada a Santo Antônio foi usado no filme Non ou a Vã Glória de Mandar. A rigor não se trata de uma cinebiografia do padre Vieira, assim como também não era uma biografia filmada a obra que Júlio Bressane dedicou ao padre, em 1989. Branco diz que nem ele nem Oliveira viram Os Sermões. Bressane busca no escritor a matriz cultural luso-brasileira. Por mais fascinado que seja pelo escritor, Oliveira sabe que ser vieiriano não significa obscurecer a razão. É possível colocar em causa as atividades antiescravagistas do pregador-escritor, bem como a eficácia de suas missões diplomáticas e até os desvios teológicos e as fantasias messiânicas, como o sonho do 5.º Império, considerado pelo Santo Ofício, em plena Inquisição, uma excrescência judaica ou de cristãos novos. Um filme sobre o padre Vieira, feito por um dos raros pensadores do cinema atual, antecipa-se como uma das pérolas que a seleção de Veneza oferece aos que este ano estão no Lido. Branco considera a oportunidade excepcional, porque sabe que o tipo de cinema que faz começa a existir, realmente, no circuito dos festivais. Mas observa que Oliveira, nessa quadra de sua vida, nonagenário e coberto de glória, não precisa mais de prêmios para ter seu valor reconhecido. Ele lembra a filmagem no Brasil, no fim do ano passado. Destaca o apoio logístico que recebeu do sócio brasileiro, Beto Tibiriçá, que já havia trabalhado com Oliveira e ele em O Vale Abraão. Foi uma filmagem do jeito que Oliveira gosta de trabalhar - "com discrição", diz. Oliveira é seu mestre, seu pai, seu tudo. Branco obstina-se em fornecer condições para que o cineasta de 92 anos (nasceu em 1908) possa fazer os filmes que ainda tem vontade de realizar. Essa tenacidade o mantém vivo. Branco sabe disso. Em Veneza, ele tem outros dois filmes em competição - Fis de Deux Mres ou Comédie de l´Innocence, do chileno-francês Raoul Ruiz, e Freedom, do lituano Sharunas Bartas. Um pé em Veneza. Outro no Festival de Montreal, no Canadá, onde foi exibido na segunda-feira, também em concurso, outro filme que produziu - La Captive, de Chantal Ackerman. Todos filmes de arte, como Branco gosta.

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