Jack Nicholson já havia aparecido em produções modestas da American International, produzidas por Roger Corman, mas o verdadeiro início de sua carreira foi com Sem Destino, o clássico da contracultura de Dennis Hopper. Logo em seguida vieram Cada um Vive Como Quer e O Dia dos Loucos. Nicholson teria se transformado num ator cult, mas um tanto alternativo, se o Oscar não tivesse vindo coroar sua genial interpretação em Um Estranho no Ninho, de Milos Forman. O resto é história. Nicholson alinhavou sucessos, raros fracassos e somou mais dois Oscars à sua galeria - melhor coadjuvante por Laços de Ternura, de James L. Brooks, e melhor ator por Melhor É Impossível, de novo de James L. Brooks. Dois títulos importantes da fase contracultural do ator já chegaram ao mercado de DVD. Justamente Cada um Vive como Quer e O Dia dos Loucos, ambos de Bob Rafelson. É um dos diretores erráticos do cinema americano. Fez grandes filmes (O Destino Bate à Sua Porta, a versão com Nicholson e Jessica Lange), mas em geral os críticos dizem que sua vida é melhor do que tudo o que ele fez no cinema. Como John Huston, de uma geração anterior, Rafelson sempre foi um aventureiro. Nasceu numa família de posses, mas preferiu viver por conta própria, mesmo tornando-se andarilho. Foi músico no México, garçom na França e marine no Japão, onde também começou a fazer crítica de cinema, apadrinhado por Donald Ritchie, o grande especialista inglês sobre o cinema nipônico. O primeiro filme, Os Monkees Estão à Solta, com o grupo clone dos Beatles, foi considerado um sub-Os Reis do Ié-Ié-Ié (e Rafelson rotulado de sub-Richard Lester), mas cabe destacar que Henri Langlois, o célebre mentor da Cinemateca Francesa, tinha a obra em grande conta, considerando-a um dos momentos supremos do cinema americano dos anos 60. Logo em seguida vieram os dois títulos agora lançados em disco digital. E, na seqüência, entre altos e baixos, O Destino Bate à Sua Porta e As Montanhas da Lua. Há títulos que são enganosos ou irônicos. A Doce Vida, de Federico Fellini, não trata exatamente da alegria de viver; exibe antes a malaise contemporânea e deixa o espectador com um travo amargo. Não se deixe iludir por Cada um Vive como Quer. O filme trata exatamente da impossibilidade de uma pessoa viver como gostaria. Nicholson é o herói ou, mais exatamente, o anti-herói. Robert Eroica Dupea é seu nome. O Eroica é importante porque sua família é de músicos e todos levam um nome intermediário ligado à obra de grandes compositores. Dupea desiste da vida como músico, abandona a família burguesa e cai na estrada. Vive desgarrado. Liga-se a uma garçonete (Karen Black), a quem provavelmente ama, mas que não consegue tratar bem. Percorre o filme a ânsia por um mundo melhor, uma sociedade melhor, que outra personagem sugere ser o Alasca, com sua imensidão branca. É um filme explícito, quase explicativo, como disse certa vez um admirador de Cada um Vive como Quer, o crítico e hoje diretor Bertrand Tavernier. Quase no outro extremo, O Dia dos Loucos, surgido dois anos depois (Cada um é de 1970), é introvertido e secreto até quase o ponto do enigmático. É a história de dois irmãos, um ajustado (Nicholson) e outro desgarrado (Bruce Dern). O primeiro é inábil para desencorajar os desastrosos esquemas financeiros em que se envolve o segundo. Nicholson, como sempre, é ótimo. Dern é um ator de certa evidência na época. Foi ganhando papéis cada vez mais esparsos e desinteressantes até quase sumir. Mas a grande presença é a de Ellen Burstyn, que ainda não havia recebido o Oscar (foi dois anos depois, por Alice não Mora mais aqui). Como uma antiga rainha da beleza que se ressente da passagem do tempo, Ellen nunca é menos do que brilhante. E a fotografia de Laszlo Kovacs é genial. Quando alguém se lembra de elogiar a fotografia é porque não há mais nada a destacar, é a voz corrente. Não há verdade. Há certos filmes em que a fotografia deixa de ser um exercício de habilidade técnica para somar-se à própria concepção estética da obra, tornando-se visceral e única. A fotografia de O Dia dos Loucos é um desses casos. A de Estorvo, o filme inédito de Ruy Guerra, com cores e ângulos geniais, é outro. O visual de O Dia dos Loucos fica muito bem em DVD. Como quase sempre ocorre nos lançamentos em DVD, além da alta qualidade da imagem e do som, os discos exibem atrativos extras, compondo um menu diferenciado do vídeo. Assim, além das tradicionais seleções de cenas e legendas, o espectador encontra no disco de Cada um Vive como Quer o trailer original e notas sobre o elenco. Em O Dia dos Loucos, a diversificação é ainda maior - ao trailer original somam-se a campanha publicitária, também original, e notas sobre o diretor e o elenco. "Cada um Vive como Quer" (Five Easy Pieces). EUA, 1970. "O Dia dos Loucos" (The King of Marvin Gardens). EUA, 1972. Ambos de Bob Rafelson, no pacote da Columbia