Obras produzidas por diretoras e autoras estão entre os destaques da 43.ª Mostra

Filmes como 'Outubro', sobre a eleição presidencial de 2018, e o sensível ‘Hanami’, são belíssimos exemplos de obras comandadas por mulheres

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Por Luiz Carlos Merten
Atualização:

Mariette Rissenbeek, do Festival de Berlim, recebeu carta branca da Mostra para uma seleção de filmes. Ela veio ao Brasil para falar de novas tendências do cinema alemão e possibilidades de parcerias. Escolheu filmes como Contra a Parede, de Fatih Akin; Todos os Outros, de Maren Ade; Phoenix, de Christian Petzold. Escolheu também mais um que estará em exibição nesta terça: Hanami –Cerejeiras em Flor, de Doris Dörrie. É um bom pretexto para que se fale das mulheres na Mostra – diretoras e autoras.

Homem vai até o Japão para realizar sonho da mulher no filme 'Cerejeiras em Flor' Foto: Mostra Internacional de Cinema de São Paulo/ Estadão

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Maria Ribeiro é muito conhecida do público como atriz, mas já há algum tempo vem desenvolvendo essa outra carreira, como realizadora. Não uma simples diretora. Maria fez dois documentários, sobre Domingos Oliveira, seu mestre, e sobre o grupo Los Hermanos. Gosta de defini-los como filmes de afeto. Na Mostra, ela apresenta outro documentário, Outubro, que codirige com Loiro Cunha. Reconhece que é diferente dos anteriores, mas só em termos. Não deixa de ser outro filme de afeto, de amor. Pelo Brasil. Maria vestiu-se de noiva – de branco, com o vestido de seu casamento. O gesto não poderia ser mais simbólico.

Casamentos acabam, mas é possível, com maturidade e equilíbrio, manter o afeto, o respeito. Maria compara a eleição de 2018 a um casamento que acabou. O que resta do sonho? Ela vai para a rua, atravessa a multidão seguida de perto pela câmera. Entrevista pessoas – personagens anônimos das ruas, conhecidos como o escritor Marcelo Rubens Paiva, cujo pai foi morto pela ditadura militar, e a pensadora Maria Rita Kehl, que tece, com clareza, uma elaborada análise conjuntural. O filme tem o formato de um diário. Maria, na primeira pessoa, evoca aquela semana de outubro. A semana que culminou com a eleição, no domingo. Fazia campanha por Fernando Haddad e Manuela d'Ávila

Na segunda-feira da ressaca, pós-eleição, Maria pergunta-se como terminar o filme. Ela e Loiro encontraram uma solução, belíssima, mas que você só vai saber qual é vendo Outubro. É um filme de amor – pelo diálogo, pela democracia. Pode-se perder uma eleição sem perder a ternura, o afeto. 

Sonho

O outro filme, Hanami, curiosamente, também se constrói sobre uma perda. Um homem – alemão – que perdeu a mulher resolve realizar o sonho dela de visitar o Japão na época em que a cerejeiras florescem. 

Doris Dörrie tem uma trajetória interessante. Estourou, em 1985, com um filme chamado Manner/Homens. Para quem reclama do humor teutônico, o filme dela – um olhar feminino sobre o universo masculino, como se Doris refizesse Maridos, de John Cassavetes – virou um fenômeno na Alemanha, com 6 milhões de espectadores e um monte de prêmios Bundesfilm, o Oscar alemão. 

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O sucesso ultrapassou as fronteiras nacionais e ganhou o mundo – EUA, Brasil renderam-se. Cooptada por Hollywood, Doris tropeçou com Elas Me Querem, outra comédia, estrelada por Griffin Dunne. Ao contrário do título, ninguém quis saber do filme. Foi um fracasso memorável.

Ela voltou à Alemanha. Insistiu – Preciso Que Me Amem, de 1994. O afeto, tema de Maria, impregna Cerejeiras em Flor. O filme é de uma beleza visual espantosa. Encheria os olhos e não teria ressonância se não houvesse contrapartida. A superação do luto como atitude política. Belíssimo.

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