Paranóia urbana no curta "A Janela Aberta"

Novo trabalho do jovem diretor Philippe Barcinski foi rodado em apenas uma semana sobre a neura de ter deixado alguma luz acesa ou o forno ligado depois de sair de casa

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Por Agencia Estado
Atualização:

Você sai de casa para trabalhar e, no meio do caminho, não lembra se desligou o forno. Ou vai ao teatro e, quando as luzes se apagam, vem a angustiante certeza de que não fechou o carro. Esse tipo de paranóia, presente em maior ou menor intensidade na vida de quem vive em grandes centros urbanos, é o ponto de partida do curta-metragem A Janela Aberta, novo trabalho do jovem diretor Philippe Barcinski, rodado em apenas uma semana num dos estúdios da O2 Filmes. A produção, de aproximadamente dez minutos de duração, narra um dia na vida de um homem que leva ao limite essa incômoda sensação de que deixou algo para trás. O protagonista é interpretado por Enrique Diaz, ator e diretor que ultimamente transita pelo teatro, cinema e pela TV. No momento, ele dirige o espetáculo O Rei da Vela, em cartaz no Teatro Brasileiro de Comédia (TBC). A Janela Aberta foi produzido com um prêmio de R$ 40 mil que Barcinski recebeu no Concurso Federal de Curtas-Metragens, criado pelo Ministério da Cultura. Na história o personagem de Diaz vai dormir e, quando fecha os olhos, desconfia que deixou a janela aberta. Daí em diante, ocorre uma sucessão de desdobramentos da paranóia. A cisma acaba provocando um interminável ciclo de associações criado na mente do protagonista, provocando um interessante vaivém temporal. "O filme fala de pequenas coisas que nos incomodam", conta Barcinski. "A história começa num tom leve e depois fica mais sério." A inspiração para levar o assunto para o filme veio do trabalho de uma psiquiatra amiga do diretor. "Ela trata de pacientes com um distúrbio chamado Transtorno Obsessivo Compulsivo (TOC), que todos nós temos em maior ou menor escala" explica Barcinski. "Quando o problema cresce, torna-se patológico." Identificação - A grande sacada do filme de Barcinski é a utilização desse distúrbio como ponto de partida. É difícil encontrar alguém que nunca tenha sentido que deixou para trás algo feito pela metade. "Todo mundo se identifica com algumas manias e não só com esse problema; há pessoas que pisam só nas pedrinhas brancas na calçada, outras que só voltam para casa pelo mesmo caminho", afirma o diretor. Aos 27 anos, Barcinski vem impressionando diretores conceituados da O2 Filmes com seu talento. Um deles é Fernando Meirelles, que dirigiu, ao lado de Nando Olival, o curta-metragem E no Meio Passa um Trem - premiado no Festival de Cinema do Recife - e o longa Domésticas, que tem estréia prevista para este ano. "Pode escrever aí: ainda vão ouvir muito o nome do Philippe", elogia Meirelles. A Janela Aberta é o quinto curta de Barcinski. Seu primeiro filme, A Escada, de 1995, foi considerado o melhor trabalho em 16 milímetros do Festival de Brasília e recebeu, no mesmo ano, os prêmios de melhor curta ibero-americano no Festival Universitário do México, melhor curta experimental no Festival Ibero-Americano de Estudantes, além de ganhar um prêmio especial em Gramado. Síntese - Barcinski começou a freqüentar sets de filmagens com 14 anos. Foi assistente de direção em Leila Diniz, de Luiz Carlos Lacerda, em Os Trapalhões e a Princesa Xuxa, e num obscuro filme francês intitulado Marie Galant, produzido para a TV. A aproximação com a televisão - trabalhou no infantil Castelo Rá-Tim-Bum, da TV Cultura, e na série Futuro, da MTV - levou-o à publicidade. Começou a dirigir comerciais na O2 Dois, divisão aberta a jovens talentos na O2 Filmes. Foi na publicidade, diz Barcinski, que surgiu a "cancha" e confiança para começar a dedicar-se aos curtas-metragens. "A publicidade é legal porque tem um grande poder de síntese e é também uma maneira de praticar a linguagem e aprender a trabalhar em equipe", analisa o diretor. "O lado ruim de fazer apenas cinema é que você dirige dois, três filme por ano, enquanto na publicidade são uns 40." Depois de A Escada, Barcinski dirigiu A Grade (1996), Postal Branco (1998) e Palíndromo, este último em fase de finalização. Os trabalhos mostram que, ao poucos, o jovem diretor vem desenvolvendo um estilo próprio. Ele admite isso. "Todos os filmes têm um ligação temática e estrutural, com um personagem em primeiro plano que entra numa estranha confusão mental", conta Barcinski. Pode-se dizer que os filmes de Barcinski são obras experimentais, de quem está buscando (e conseguindo) encontrar a melhor forma de expressar-se. "É um trabalho experimental, mas que não deixa de contar uma história", explica. Se depender de suas referências cinematográficas, o diretor vai, como bem disse Fernando Meirelles, tornar-se conhecido em breve: o rapaz é admirador de pesos pesados como Stanley Kubrick, Roman Polanski e Krzystof Kielowski.

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