Veja quais foram os melhores filmes de 2022, pelo crítico Luiz Carlos Merten

Jornalista do ‘Caderno 2′ faz suas escolhas que inclui ‘Elvis’ e ‘Marte Um’

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Por Luiz Carlos Merten
Atualização:

Foi um ano de muita ousadia e criatividade no cinema, mas também de muita dificuldade. A pandemia desorganizou os mercados de todo o mundo. O público desacostumou-se de ir às salas, ou só vai a programas muito especiais. Muita gente queixa-se do preço do ingresso, e não apenas. Com o ticket vem o tal combo - pipoca + refrigerante. Ir ao cinema com seu par, ou em família, ficou caro. Por economia, segurança ou o quê, o público migrou para o streaming. As salas reabriram com menos espectadores.


Cena do filme 'Elvis', de Baz Luhrmann, com Austin Butler e Tom Hanks Foto: Warner Bros. Pictures


Como o home office e o delivery, o streaming veio para ficar. Pode-se discutir e até entender o fenômeno, mas faz muita diferença ver alguns dos melhores filmes do ano - Elvis, Moonage Daydream - no notebook, na sua TV ou no esplendor das telas Imax, com toda a exuberância de som a que têm direito.

MELHORES INTERNACIONAIS

Il Buco

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O italiano Michelangelo Frammartino inicia seu filme com imagens da construção do prédio que seria o mais alto do mundo, o Empire State Building, em Nova York. Na sequência, segue o caminho inverso e acompanha especialistas que descem para o interior da Terra, no buraco mais fundo do mundo. Nada mais. Só isso? Pois isso é tudo. Uma lição de cinema, de humanidade, um filme que obriga o próprio espectador a revisar suas crenças E expectativas em relação ao som. Afinal, o que é?



Elvis

A sensação é de que Baz Luhrmann reabriu sua trilogia da cortina vermelha - Vem Dançar Comigo, Romeu + Julieta e Moulin Rouge - e acrescentou mais um volume, formando uma tetralogia. O cinema entre a realidade e o artifício. Ou sobre como o garoto de Memphis bebeu na fonte da negritude e revolucionou o que já era transgressor, o rock. Elvis the Pelvis e sua peculiar tragédia, a relação com o empresário - Coronel Tom Parker - que canabalizou seu sucesso. Austin Butler e Tom Hanks são apostas para o Oscar de melhor ator.



Drive My Car

Indicado para quatro categorias do Oscar - melhor filme, melhor filme internacional, melhor direção e melhor roteiro, exatamente as mesmas de Parasita, do sul-coreano Bong Joon-ho -, o deslumbrante longa do japonês Ryusuke Hamagachi venceu somente a segunda estatueta. Merecia mais, claro, merecia as quatro que Joon-ho ganhou no ano anterior, mas seria demais para Hollywood, em dois anos seguidos, reconhecer a superioridade da produção mundial. Veja o filme e leia os contos de Haruki Murakami.

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Licorice Pizza

Os filmes de Paul Thomas Anderson lhe valeram muitas indicações e até vitórias no Oscar, mas a Academia, mais uma vez, deixou de fazer a coisa certa. Apesar de maravilhoso, o romance dos dois jovens, Alana Haim e Cooper Hoffman, ficou somente nisso - nas indicações. Um olhar de bastidores sobre o mundo da música - e do cinema? - em Hollywood, nos anos 1970, algo como Era Uma Vez em Hollywood, de Quentin Tarantino, filtrado por Jovens, Loucos e Rebeldes, de Richard Linklater, só que melhor do que os dois.



A Pior Pessoa do Mundo

O norueguês Joachim Trier filma as indefinições de uma garota. Julie/Renate Reinsve não sabe direito o que quer, na vida profissional nem na amorosa. A arte do diretor e roteirista consiste em transformar o que poderia ser confuso, e até caótico, num retrato honesto sobre o que é ser um jovem adulto no século 21. A cena em que Julie corre ao encontro do seu amado é antológica. Depois, ela poderá não ter muita certeza, mas na hora o mundo inteiro para - para que ela corra atrás de seu sonho. Quem nunca viveu essa sensação não sabe, nem que seja por um momento, o que é o amor.



Top Gun - Maverick

A presença desse filme pode parecer surpreendente numa lista de melhores, mas assim como o primeiro, Ases Indomáveis, foi um marco dos anos 1980 - e da carreira do jovem Tom Cruise -, a sequência já é outro marco. Passaram-se 36 anos, mudou o diretor - Tony Scott foi substituído por Joseph Kosinski -, mas a essência permanece. Cruise recusa-se a envelhecer, e permanece como o maior astro de Hollywood. Não admira que, na ficção, o herói de 60 anos continua sendo o melhor e ele, fiel à própria lenda, dispensou dublês nas vertiginosas cenas aéreas. O resultado surpreendeu todo mundo - em plena pandemia, com público retraído, Top Gun - Maverick arrebentou. O maior sucesso de Cruise. Mais uma missão impossível que o astro desempenhou com desenvoltura.



Não, não Olhe

Jordan Peele transformou-se rapidamente no maior fenômeno do cinema negro de Hollywood. O próprio Spike Lee só venceu prêmio de roteiro num filme por ele produzido, Infiltrado na Klan. Jordan cultiva o horror com dimensão política. Nesse filme, o fantástico evolui mais para a ficção científica. O que é a força que afeta o comportamento de humanos e animais num rancho que se dedica à criação de cavalos na Califórnia? Será um disco-voador? Depois de Corra! E Nós, Peele segue subvertendo paradigmas e fórmulas de gêneros. Haverá controvérsia, mas é seu melhor filme, até agora.



Moonage Daydream

O doc concerto de Brett Morgen propõe-se como algo inusitado - uma viagem cósmica ao planeta David Bowie que também é um guia para se viver com intensidade o século 21. Bowie, o homem que caiu na Terra. Era só o título de um de seus filmes mais famosos, ou já antecipava o movimento de Morgen, tentando decifrar o enigma? Homem, mulher, mutante. Bowie foi um camaleão. O filme tem a cara dele. Imagens caleidoscópicas, vertiginosas. E um som que joga a gente dentro do concerto.



A Mulher-Rei

Na era dos super-heróis negros - Pantera Negra, Pantera Negra, Pantera Negra -, a diretora Gina Prynce-Bythewood recorre à história real para tecer uma ticção arrebatadora, No século 19, a general(a) Nanisca forma um Exército de mulheres para proteger o rei de Daomé de seus inimigos. O filme de ação tem cenas espetaculares, mas, atenção, quem é essa garota que vem integrar o grupo? Qual a sua relação com Nanisca? Muda o tom, o filme vira um suntuoso melodrama. Só se houver marmelada Viola Davis não será indicada ao Oscar pelo papel.



Triângulo da Tristeza

O sueco Ruben Ostlund está longe de ser uma unanimidade, mas conquistar duas Palmas de Ouro em cinco anos, como ele fez, é para poucos. The Square - A Arte da Discórdia venceu em 2017, Triangle of Sadness este ano. Ostlund adora polemizar, ou será escandalizar? Os passageiros de um transatlântico, a doce vida dos ricos é quebrada primeiro por desarranjos - vômitos e diarréia - provocados pela comida. Como se não bastasse, a embarcação vai a pique. Na ilha em que riqueza e dinheiro não valem nada, a camareira assume o controle da situação e vira a chefona. Ganha até o garoto bonito, que prefere ficar com ela à inútil top que não sabe fazer nada, além de exibir a beleza. Ostlund, para falar a verdade, é horrível, mas não dá para ignorá-lo.

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MELHORES NACIONAIS

Segredos do Putumayo

O doc de Aurélio Mychilles que retraça a história do cônsul britânico Roger Casement no Brasil reabre feridas que ainda latejam. No começo do século passado ele denunciou os crimes da empresa Peruvian Amazon Company contra as comunidades indígenas da Amazônia. Passados mais de 100 anos, essa é uma história que vale (re)contar - e ver - porque o horror permanece e até foi incrementado durante o governo Bolsonaro em sua determinação de ‘passar a boiada’. Forte como tema, o filme é belíssimo como realização. O melhor de Mychilles - o melhor brasileiro do ano?



Marte Um

Indicado pelo Brasil para concorrer ao Oscar de melhor filme internacional, o belíssimo trabalho de Gabriel Martins é o primeiro filmenacional dirigido por um negro a pleitear a indicação. A história de uma família de pretos. O filho que olha para o céu e sonha - tudo o que ele quer é participar da pioneira expedição que vai colonizar o planeta Marte. Mesmo que Marte Um não chegue lá, o problema não é do filme, mas da Academia.



Eduardo e Mônica

Segundo filme do diretor René Sampaio adaptado das canções de Renato Russo no Legião Urbana. O primeiro foi Faroeste Caboclo. A química entre Gabriel Leone e Alice Braga inflama o filme com intensidade rara. Como se não bastassem os dois, e o look de Brasília, Eduardo e Mônica ainda tem Otávio Augusto como Seu Bira, um grande papel, a despeito de ser secundário.



Fogaréu

Barbara Colen, excepcional, como sempre, volta para a casa do tio, em Goiás, com as cinzas da mãe. Eucyr Souza é prefeito. Concorre à reeleição. Barbara vai implodir a vida familiar, desvendando segredos. A direção de Flávia Neves, as interpretações de Barbara e Eucyr - e também de Thimothy Wilson, premiado no Festival do Rio - e Fernanda Viana fazem toda diferença. Um retrato impressionante do Brasil profundo.



Medida Provisória

Muita gente tem procurado com lupa os defeitos da estreia de Lázaro Ramos como diretor de longa. Deve ser pelo incômodo que o filme causa ao focalizar a sociedade branca. Lázaro inspirou-se na peça Namíbia, que interpretou no palco. A questão preta na sociedade brasileira. O governo baixa a MP do título. Inicialmente seria para ressarcir os descendentes de escravos, logo vira uma absurda expulsão. Os negros serão despachados com passagem só de ida para a África. Nenhum outro filme brasileiro, recente ou não, abordou com tanta força a presença do negro na construção do País. A repercussão foi enorme. As interpretações, de Taís Araújo, Alfred Enoch, Seu Jorge e Adriana Esteves, estão à altura da obra.



A Mãe

Cristiano Burlan tem uma história de vida muito dramática. Sua mãe e o irmão foram mortos. O significado dessas perdas levou-o a contar a história de uma mãe que procura o filho desaparecido - e, presumivelmente, morto pela polícia. Marcélia Cartaxo foi melhor atriz em Gramado e Vitória. As cenas documentárias com as mães da Praça da Sé, que lutam por seus filhos e direitos, são impactantes. O desfecho, quando tudo se aclara, bebe na fonte de um dos grandes do cinema - Michelangelo Antonioni, de O Passageiro - Profissão: Repórter. Um plano contínuo, filmado à distância. Brilhante.

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Paloma

Só Marcelo Gomes, do excepcional Cinema, Aspirinas e Urubus, para contar essa história da mulher trans que move mundos e fundos para realizar o sonho de casar na igreja. Uma mulher fantástica. Kika Sena fez história ao vencer como melhor atriz no Festival do Rio. Marcelo e o sertão. A mulher que cortava cana. É daqueles filmes que parece sucinto, mas, de repente, é todo um mundo que se abre. Questões humanas, sociais, identitárias.



Fantasma Neon

Pode um filme curto integrar a lista de melhores do ano? Valeria lembrar o caso de Ilha das Flores, de Jorge Furtado, premiado em Berlim. O curta de Leonardo Martinelli é um experimento raro, no cinema brasileiro e mundial. No Brasil, durante a pandemia, a prática do delivery multiplicou os entregadores, os chamados motoboys. Fantasma Neon conta a história de um deles. O que sonha esse homem? É um filme em-cantado, como Os Guarda-Chuvas do Amor, de Jacques Démy, que venceu a Palma de Ouro de 1964. Todo cantado, e dançado. O ator Dennis Pinheiro é uma revelação. E o filme ainda tem Silvero Pereira, de Bacurau.


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