Um Cobain intenso e atormentado em peça de teatro

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Por Redação
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Emanuel Bomfim

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Em seu último rastro, numa carta intensa e calculada, Kurt Cobain admite uma ponta de inveja pela capacidade de Freddie Mercury se contaminar pela multidão de fãs. Curiosa e um tanto debochada, a observação é um dos poucos momentos capazes de aliviar a tensão no sombrio monólogo Aberdeen - Um Possível Kurt Cobain, a estrear na Galeria Olido, no centro da cidade, no dia 7 de julho. Todo o resto é punk: são 50 minutos imersos num abismo de luz rarefeita e de um personagem em conflito com o mundo, as pessoas, e seus próprios fantasmas.

"Essa figura humana atormentada, que nem o sucesso e o dinheiro conseguiram apaziguar, foi o que me atraiu", conta o jornalista Sergio Roveri, responsável pelo texto da peça. "De cara, eu não aceitei o convite para escrevê-la", revela. Sergio tinha o receio de ter que contar a história do ídolo máximo do grunge de maneira mais convencional, tal qual uma biografia dessas que povoam sites na internet.

A proposta de abordar este Kurt psicológico partiu do ator Nicolas Trevijano após assistir ao documentário Kurt Cobain - Retrato de uma Ausência, de autoria do crítico musical Michael Azerrad. "Eu não tinha a vontade de falar explicitamente dele. Quis me aproximar do Kurt como pessoa", explica.

No filme, de fato, o vocalista do Nirvana se dispõe a falar sobre assuntos pouco comuns para um rockstar de seu quilate, desde traumas da infância e adolescência à conturbada relação com a mulher Courtney Love.

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Trevijano não esconde: Aberdeen, título que reproduz o nome da cidade onde nasceu Kurt, ajudou a ecoar dilemas que ele próprio vinha enfrentando em sua vida profissional. "O ponto de partida é a finitude. Um cara frágil, com uma certa dúvida sobre o poder da arte dele, foram elementos que mexeram comigo", revela.

Em cena, o ator lembra o artista original em muitos aspectos: o cabelo médio escorrido, o porte alto e magro, o vestir despojado - pijama na maior parte do tempo e, depois, calça jeans. O camisa xadrez, item básico do guarda-roupa grunge, não marca presença. "Era uma coisa que eu não queria: o Nico se parecer demais com o Kurt", ressalta o diretor José Roberto Jardim. "Nosso medo era ele virar um sósia."

 

A música também passou por este impedimento. Não há clássicos, lados-b ou qualquer performance que tente aproximar do Nirvana em sua apoteose. Mais evidente só Man in the Moon, do R.E.M., tocada no início do peça como forma de remontar os últimos dias do astro. O disco Automatic For the People estava no CD player do músico quando foi encontrado morto na estufa de sua casa, em Seattle.

A montagem, aliás, se debruça pelas angústias e inquietações de Kurt justamente neste limbo entre o tiro da espingarda na própria cabeça e a descoberta do corpo, três dias depois.

"A primeira preocupação que a gente teve foi não emitir nenhum julgamento sobre o suicídio. A segunda foi fazer um personagem que não tivesse pena de si próprio", afirma Roveri.

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Até um estudo psiquiátrico foi encomendado por eles como uma maneira de identificar as patologias que atormentavam a cabeça do ícone do rock. "Nos disseram que o Kurt se encaixava mais no perfil de um boderline", comenta Trevijano.

De perto, junto ao cenário, o público acompanha este jogo de pensamentos, no limite da lucidez e da loucura. "Ele é um cara que tinha uma sensibilidade assustadora, tinha um vácuo dentro dele, poderia ter levado uma vida de pequeno burguês, mas ele encarou o leão de frente", filosofa Jardim, estreante na direção teatral.

"Ele representa um pouco da insatisfação de uma juventude e bate de frente com essa coisa de que 'todo mundo é criado para dar certo'. As revistas de celebridades ensinam isso, as novelas, a televisão, o tempo todo é essa pressão de ser uma coisa pública", completa Roveri.

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