Talvez surpreenda pela simplicidade a montagem do Teatro Nacional da Grécia para a tragédia Antígona, de Sófocles, que será apresentada somente amanhã, sexta e sábado no Sesc Anchieta, em São Paulo. Por simplicidade entenda-se a eliminação do que não é essencial - atualizações, adaptações, efeitos, leituras supostamente geniais, aparatos técnicos. Nada a ver com simplismo. Com direção de Niketi Kondouri, 22 atores e mais três músicos no palco, a montagem viajou por várias cidades da Grécia, passou por Roma e Nova York e, depois de São Paulo, segue para Tóquio. Supõe errado quem pensa terem os gregos se livrado do primeiro dilema dos brasileiros no momento em que decidem montar uma tragédia grega - qual tradução utilizar? Em versos? Linguagem coloquial? "Claro que não temos o problema da tradução, mas o dilema é semelhante", diz Niketi. Nikos Panayotopoulos assina a tradução do grego arcaico para o grego moderno. "A tragédia grega é um espetáculo popular. Dever ser compreendido por platéias de diversos níveis sociais. Não poderíamos manter a linguagem arcaica. Claro que estamos transpondo de grego para grego, as raízes das palavras são as mesmas. Mas ainda assim, para realizar uma boa tradução, é importante entender o sentido, traduzir a essência, o real significado de cada termo." Gentil e muito bem-humorada, Niketi conversou com a reportagem no Sesc Consolação, sem demonstrar o cansaço de quem desembarcara há apenas algumas horas, vindo diretamente de Nova York. "É este o palco?", pergunta ao entrar no Teatro do Sesc Anchieta. Um palco pequeno que exigirá algumas adaptações de cenário e também, claro, no tom de voz dos atores. Afinal, a trupe tem se apresentado em grandes casas. E a cada verão, o Teatro Nacional da Grécia leva uma ou mais montagens para o Festival de Epidauros para apresentações na arena grega, ao ar livre, para milhares de pessoas. "O cenário é atemporal, assim como os figurinos. E tudo muito simples, em tons de cinza, preto e branco, remetendo aos filmes antigos", explica Niketi. Como cenário, apenas cadeiras e colunas. "Não são exatamente colunas, mas passagens, abrem múltiplos caminhos." Música ao vivo - principalmente percurssão e iluminação são essenciais para dar o tom da tragédia. Nenhuma alteração no texto de Sófocles. E as mortes, os assassinatos, como no original, ocorrem fora da vista do público. "Não temos nada melhor do que a imaginação da platéia." Tem razão, se estimulada por um bom texto e boas interpretações. "É isso! Claro que há um ponto de vista sobre a peça na minha montagem. Não fosse assim, por que encená-la?", indaga Niketi. "Não há personagens totalmente errados ou certos. Cada um tem suas razões. Há emoção, catástrofes, filosofia, sabedoria, tirania, política. Há uma guerra civil em Tebas. Há conflito entre cidadão e Estado. Tudo isso existe ainda hoje. O ser humano aprendeu pouco ao longo dos séculos. Antígona, como todo jovem, quer mudar o mundo. Ismênia tem medo. Em quais momentos somos Antígona, Ismênia ou Creonte? A peça faz perguntas para questões universais como quem somos, o que fizemos, para onde vamos. Claro que não podemos olhar para esse texto como os gregos antigos olhavam. A nós, ele vai tocar em outros pontos. O que fazemos, no palco, é tentar levantar muitas leituras possíveis. Que serão feitas pela platéia. Buscamos uma encenação que enfatize e deixe em aberto as perguntas da peça." Antígona é a terceira peça da trilogia tebana de Sófocles. Édipo Rei e Édipo em Colono são as duas primeiras. Quando a peça tem início, Polinices e Etéocles, filhos de Édipo, mataram-se reciprocamente numa guerra fratricida. Creonte, que agora reina no lugar de Édipo, manda sepultar Etéocles, que morreu lutando ao seu lado, mas ordena que o corpo de Polinices seja deixado insepulto, para ser devorado por cães e aves de rapina, condenando à morte quem contrariar sua ordem. Antígona, filha de Édipo, depois de ter pedido ajuda da irmã Ismênia - que se acovarda - decide sepultar Polinices e é condenada à morte por Creonte, que não ouve os pedidos de seu filho Hêmon - noivo de Antígona - e do adivinho Tirésias. O arrependimento vem tarde. Antígona se mata, assim como Hêmon e sua mãe. Fica só e arrependido o tirano. Lydia Koniordou, uma atriz com vasta experiência em tragédia grega, interpreta Antígona. "Ela age movida por um sentimento natural, por amor. É o irmão dela. A sociedade grega não tinha uma moral no sentido cristão. Os deuses representavam forças da natureza, as leis divinas eram também leis naturais. Creonte, ao deixar o morto insepulto e sepultar o vivo (ele tranca Antígona viva num túmulo de pedra) inverte as leis naturais. E atrai catástrofes." Lydia define a linha-mestra da peça. "A tragédia dos que não escutam as razões do outro. O presidente Bush e todos os estadistas deveriam ler essa peça sempre. E cada um de nós. "Antígona" não se pergunta sobre a sobrevivência. Simplesmente sobreviver não interessa. Interessa viver com dignidade. Essa é sua luta." Antígona. Texto de Sófocles, com adaptação de Nikos Panayotopoulos. Direção, Niketi Kondouri. De amanhã (07) a sábado, às 21 horas. De R$ 4 a R$ 12. Sesc Consolação. Rua Dr. Vila Nova, 245, São Paulo, tel. 3234-3000.
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