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Cultura, comportamento, noite e gente em São Paulo

'Poucas vezes tivemos uma eleição tão febril como essa', afirma Jacob Pinheiro Goldberg

Por Direto da Fonte
Atualização:

Jacob Pinheiro Goldberg. Foto: Felipe Rau/Estadão

O psicólogo Jacob Pinheiro Goldberg tem o hábito de tomar um café antes de ouvir seus pacientes. Razoável imaginar que ele precise de algumas xícaras para analisar a cabeça do brasileiro - principalmente nos dias que antecedem o primeiro turno das eleições. "Uma parcela da população acha que um candidato é ladrão. A outra parcela acha que um candidato é genocida", comenta. Mesmo envolvido com o lançamento da 2º edição do livro O Direito No Divã - Ética da Emoção (Ed. Almedina), Goldberg tirou um bom tempo para falar sobre a infantilização do eleitorado, a importância de aprender a perder e a necessidade de construir pontes entre pessoas de ideologias diferentes. A seguir:

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Como está a saúde mental do brasileiro na eleição? Me parece que já é da tradição política brasileira, desde o governo de Getúlio Vargas, que cada eleição tenha um caráter apocalíptico ou catastrófico. É sempre uma ideia de tudo ou nada, uma disputa em que o destino da nação fica em risco. Tudo isso resulta em ansiedade, expectativa e nervos à flor da pele. Além disso, vivemos um pós-traumático da pandemia e uma guerra na Ucrânia. Com todos esses fatores, creio que poucas vezes tivemos uma eleição tão febril como essa. Como diminuir essa febre?

Os candidatos deveriam fazer um apelo à legitimidade. Não é possível que a sociedade fique desta maneira. Uma parcela acha que um candidato é ladrão. A outra parcela acha que um candidato é genocida. Um dos dois deve ser eleito. Temos que assumir a legitimidade do pleito. Seja quem for o eleito, ele será o presidente do Brasil. Seria civilizado e maduro psicologicamente se os candidatos e a sociedade se abrissem para essa ideia de que eleição pode ser um conflito de ideias, mas não é uma guerra, não é uma briga. Não podemos continuar infantilizados.

Essa infantilização é o que faz as pessoas caírem em fake news tão óbvias?

Tudo o que tende a assentar ou corresponder aos delírios de uma natureza onipotente tem um apelo extraordinário. As fake news têm esse apelo por se tratar de um universo ficcional. Você pode dizer o que quiser. A questão é que precisamos cultivar um espírito crítico. Mas como? É necessário olhar para a sociedade de maneira adulta e não paternalista.

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A sociedade vem cruzando alguns limites em termos de violência política...

Existe na psicologia de massa a ideia de 'pregnância'. É como se houvesse uma contaminação do espírito pela repetição. Por exemplo, se alguém tosse em uma sala, não demora para outras pessoas começarem a tossir também. O mesmo fenômeno acontece na torcida de futebol - com o sujeito equilibrado na vida cotidiana que perde o controle em uma partida decisiva. É como se ele fosse tomado pela emoção. Isso está acontecendo no âmbito político.

Os candidatos contribuem para esse estado?

Sem emitir juízo de valor, observo que os dois principais candidatos podem ser qualificados como políticos 'mistagogos'. O que é um 'mistagogo'? Alguém populista, mas que também tem um caráter de sacralidade. Os dois falam frequentemente em nome de Deus. Isso é meramente um apelo, mas um apelo fantasmático - que mexe com o que existe de mais profundo em um país de fé, de superstição e de religiosidade enraizada como o nosso. Não por acaso, os conflitos religiosos entraram na disputa eleitoral deste ano.

Perdemos a capacidade de criar pontes?

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O indivíduo civilizado e maduro tem facilidade e prazer em encontrar alguém que é diferente dele. É preciso desenvolver a capacidade de ouvir, de dialogar, compreender, negociar, transigir e trocar. É preciso desenvolver a compreensão da importância de superar o 'cainismo', do irmão que mata o irmão. Esse 'cainismo' é a doença que representa um flagelo para o nosso psiquismo. Nós somos constituídos pelos conflitos, carregamos a tese e a antítese dentro da gente. Mas a busca da síntese está no encontro do outro.

Ouço muita gente dizendo que vai embora do País se o resultado da eleição... Eles não querem ir embora do País. O que eles querem é ir embora de si mesmos. Aprender a perder é fundamental na condição humana.

Como será o day after dessa eleição? Existe um princípio no amadurecimento individual e dos povos: aprender a lidar com a frustração. É preciso preparar um day after menos traumático e menos perigoso para as instituições e a sociedade. Essas pontes precisam ser estruturadas desde já.

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