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Coluna quinzenal do escritor Ignácio de Loyola Brandão com crônicas e memórias

Opinião|A próxima crônica será escrita por um acadêmico

Dia 18 tomo posse na Academia Brasileira de Letras e quero que esse momento chegue logo

Atualização:

“Você parece uma noiva, virando em volta, perdido no mundo, cheio de expectativa, ansioso, descontrolado, alegre, contando minutos”, me disse Hélio Ziskind, meu cunhado, no bar Vianna, onde eu comia uma Piadina.

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Tinha razão o amigo. De repente, me sinto solto no ar, pergunto o que estou fazendo ali, não sei onde deixei os óculos, percebo que o garçom espera meu pedido, nem sei se olhei o cardápio, como vim parar nesse lugar, o que tenho de fazer hoje.

Dia 18, próxima sexta-feira, tomo posse na Academia Brasileira de Letras. Perco-me em especulações. Todos receberam convite? Lembro nomes distantes e próximos. Recebo chamados: “Mandou-me convite? Não recebi. Quando chega?”. Nunca, não mandei. Surgem amigos e parentes de vários lados reclamando: “Nada até agora e preciso comprar a roupa”. 

Os que recebem perguntam: o que é traje passeio? Tenho sorte de ter uma amiga como Gloria Kalil, trabalhamos anos juntos na revista Claudia, fazíamos uma boa dupla sob os olhos perfeccionistas de Thomaz Souto Corrêa. Dia desses ela postou no YouTube, creio eu, o que é traje passeio. Explicou tudinho. Tentem o acesso.

Esse estranho estado de espírito que mescla ânsia e prazer, vontade de que o momento chegue logo, medo de gafes, furacão sobre o Rio de Janeiro na hora da posse, ninguém conseguindo chegar à Academia, um escorregão ao entrar na sala, medo de virar duas páginas coladas do discurso, ter de voltar, encontrar o ponto exato do texto, perder a voz, espirrar, ter pigarro. Sou pessimista? Não, sou catastrofista.

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Súbito, esses sentimentos variados me conduziram ao passado. Aos dias de exames finais no ginásio e científico em Araraquara. Na véspera de cada exame, principalmente do temido oral, corriam todos para o Jardim Público, entre as ruas 4 e 5.

Cada um com seus livros e cadernos e levando o mais importante, o tubinho de Pervitin, o estimulante que não nos deixava dormir. Era vendido sem problema em qualquer farmácia. Outro mundo, outros tempos. Décadas mais tarde, já maduro, descobri um livro e me espantei, High Hitler, de Norman Ohler, que mostrou como o uso de drogas pelos nazistas ditou o ritmo do Terceiro Reich. Foram os alemães que nos anos 1930 desenvolveram o Pervitin, que a população inteira tomava contra a depressão, o medo, o horror. E os soldados para combater o cansaço e o sono e lutar sem parar.

E nós ali no jardim nos entupindo com Pervitin. A guerra tinha terminado poucos anos antes. E era simples ir à farmácia e comprar, vendia-se como dropes na confeitaria. Agora, camisinha era duro comprarmos. Dá para entender? O Pervitin nos mantinha acordados e excitados. Pela manhã corríamos para a escola, mas antes havia outro ritual para diminuir a pressão e a apreensão, o horror daquele momento de ter a prova em mão e descobrir que não sabíamos nada.

Havia o instante igreja. No caminho para o Ieba, então Instituto de Educação Bento de Abreu, estavam, dependendo do bairro, a Matriz, a igreja do Carmo, a da Santa Cruz e a de Santo Antonio. Nem imaginam o que se via de jovens ajoelhados, cabeça baixa, rezando, aterrorizados. Gente que nunca tinha ido à igreja. Havia até protestante rezando em igreja católica, porque nesta tinha estátuas de santos que faziam “milagres”, como Santo Antônio, São José, o Coração de Jesus, Nossa Senhora do Perpétuo Socorro. Não havia, contudo, imagens de São Judas Tadeu nem de santo Expedito, que mais tarde conheci como os santos das causas impossíveis.

Passar de ano era a causa impossível para aqueles que não estudavam e esperavam um auxílio divino. Promessas eram feitas. Jamais cumpridas depois. Esquecia-se disso. Mas eu achava curioso como, de um momento para o outro, a fé crescia naqueles jovens todos que eu jamais via na igreja. De qualquer modo, os exames mudavam os espíritos, a gente saía feliz quando tinha acertado tudo, saía mal, quando tinha errado e ia tomar Cuba-Libre, que era a bebida da juventude para consolar, dar força, aguentar o tranco, ter coragem de dizer a alguém: eu te amo.

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Nessa minha espera atual de uma semana há uma diferença. Caminhávamos para os exames como se fôssemos para o cadafalso. Exceção feita aos CDFs, que se vangloriavam e nos humilhavam com dúzias de notas 10. Agora, são dias de alegria, excitação, um momento feliz da carreira. Contarei dia a dia, hora a hora, minuto a minuto... Nem sei mais o que escrever. Não escrevo. Na próxima crônica já serei acadêmico da Brasileira.

Opinião por Ignácio de Loyola Brandão
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