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Coluna quinzenal do escritor Ignácio de Loyola Brandão com crônicas e memórias

Opinião|Aprendi em Paraitinga

Aos 86 anos, aprendi uma lição. Aprende-se em qualquer idade, estando disposto. Posso responder não sei. Mas, e a vaidade? A coragem? Admitir a incapacidade ou tentar enrolar?

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Carmem e Marcelo Mercadante, médicos e amigos, ligaram: “Aqui, em São Luiz do Paraitinga, começa uma feira literária, a primeira. Passem o fim de semana conosco”. Nem tinham desligado, estávamos lá com o compositor Hélio Ziskind e Carla, influencer, minha cunhada.

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Nesse meio tempo, o casal tinha entrado em contato com Suzana Salles, a cantora, que se comunicou com Alexandre Gennari e outros curadores, de modo que cheguei como autor-surpresa. A Feira. Pequena, impecável. Quando se quer, se faz, não chora.

A prefeita Ana Lúcia Bilard Sicherle presente na primeira fila. Terceiro mandato de uma mulher. Três dias com Marcelino Freire, Penélope Martins, Leusa Araujo, Rubia Konstantyn, Alice Ruiz, Milton Hatoum, Tati Bernardi e eu. Mais escritores da região, essenciais.

Sei disso, saí do interior. Auditórios lotados – gente espalhada pelo chão – em todas as sessões. Professores das proximidades. O antigo clima de alegria das festas literárias recomposto.

A cidade é conhecida por sua resiliência desde a enchente de 2010, catástrofe vencida pela população. Na fala de Milton Hatoum, sujeito sóbrio, corajoso, o mediador fez uma pergunta complexa sobre tempos atuais, inteligência artificial, redes sociais, GPT, etc. Milton, tranquilo: “Não sei responder”. Foi aplaudido.

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Anos após enchente do Rio Paraitinga, cidade do Vale do Paraíba foi se reconstruindo. Foto: Tiago Queiroz/Estadão

Aos 86 anos, aprendi uma lição. Aprende-se em qualquer idade, estando disposto. Posso responder não sei. Mas, e a vaidade? A coragem? Admitir a incapacidade ou tentar enrolar?

Vi em São Luiz que a plateia gosta de sinceridade. Marcelino Freire e Tati Bernardi corajosamente falaram de suas famílias, mães e pais, e tias, amigos, tocaram pela coragem de admitir neuras, loucuras, esquizofrenices. Porque na plateia sempre tem uma história esquisita igual à nossa.

Alice Ruiz revelou como é fácil escrever um poema e uma letra de música. Mas vá fazer sua letra, seu poema. Dureza, sensibilidade.

Esteve tão bem e encantadora a Festa Literária de São Luiz que até os cães gostaram. Em todas as sessões, um vira-lata entrou, passeou pela primeira fila, achou um lugar, se acomodou ficou até o final. Compenetrado. Disseram-me que acompanha todas as procissões da cidade, que é lindinha. O cão só não tinha crachá!

Ah, cães! Quase me esqueço. Carmem e Marcelo abrigam em seu sítio duas cadelas, Pitanga e Canela. No dia em que chegamos, as duas tiveram um entrevero, Pitanga caiu de um deck, machucou-se. Marcelo, que é ortopedista, já tratei a lombar com ele, cuidou, enfaixou. Pitanga passou a mancar e todo mundo a agradava com afagos e comidas. Duas horas depois, Canela também estava mancando, esperando agrados. Cães são iguais a nós.

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* É JORNALISTA E ESCRITOR, AUTOR DE ‘ZERO’ E ‘NÃO VERÁS PAÍS NENHUM’

Opinião por Ignácio de Loyola Brandão

É escritor, membro da Academia Brasileira de Letras e autor de 'Zero' e 'Não Verás País Nenhum'

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