Cinéfilo apaixonado, senti-me dentro do clima de Fellini no filme Oito e Meio, inteiro passado em uma estação termal. Porque a Flipoços, festa literária da Poços de Caldas, está sendo realizada dentro do Palace Hotel e seus jardins clássicos. Ou pode mergulhar em outro clássico, O Iluminado, vendo o garotinho correr de velocípede por extensos corredores. O Palace foi criado pelo nosso Ramos de Azevedo. Fiquei feliz ao ver que, três grandes festas literárias ainda estão de pé, gigantes: a Flip, a Feira Internacional de Ribeirão Preto e a Flipoços. Espero que a fantástica de Araxá, promovida por Afonso Borges se reerga em sua mágica.
Junto ao hotel, centenas de tendas brancas abrigam livros e autores, leitores, contadores de histórias, crianças. O sucessor de Danilo de Miranda no Sesc, Luiz Deoclécio Massaro Galina, abriu as conversações numa fala sobre a importância cultural da entidade no Brasil. Pouco depois dele, a coisa ferveu, entraram em cena Patrícia Campos Mello (autora do clássico A Máquina do Ódio) e Carlos Andreazza, mediados por Vera Magalhães, e discutiram redes sociais, liberdade de expressão, fake news e toda a complexidade do tema. Provocadores com camisetas ofensivas a políticos e ministros circulavam. Patrícia e Carlos desconcertaram os reacionários. E tudo girou por dias e dias.
Eu voltava ao Oito e Meio com Claudia Cardinale, etérea, passando e sumindo. O clima felliniano prosseguia nos corredores, eu via a criadora e organizadora, uma batalhadora, da Flipoços, Gisele Corrêa Ferreira, figura volátil, nos salões e recantos, esgueirando-se entre as falas nas termas centenárias, ouvindo conversas sobre crônicas, o que é ser influencer, discutindo democracia e a era digital e poesia. Ou a definir escrita erótica, enquanto degustávamos lascas de chocolates de sabores diversos na Lascaux, chocolateria, transformada em cena de debates.
O escritor Chico Lopes, de Poços, com boa carga de livros publicados, que tem de ser descoberto nacionalmente, conduziu nossa mesa e discutimos com leveza e ironia o que é a crônica nos dias de hoje. E contamos histórias, porque as feiras são para ouvir, perguntar, conhecer, debater, divertir-se, ter prazer, gostar de livros.
Esta feira, com seu ambiente “sulfuroso”, como foi definida localmente, termina neste domingo. Mais de 80 mil pessoas passaram por ela. Fiquei feliz por ser um dos que cortaram a faixa inaugural da Primeira Vila Literária de Minas Gerais. Ela significa cultura e, acima de tudo, resistência. Resiliência de todas as feiras e bienais.