A escrita, de ato solitário a ato solidário

Autores encontram em grupos de redação uma forma de escrita mais colaborativa

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Por Concepción de León  
Atualização:

Jenny Zhang estava de calça de moletom, lutando em uma tarde de domingo contra um conto que ela não conseguia completar. Ela digitou um e-mail para outros sete escritores: “Ei. Podemos nos encontrar semana que vem? Eu tenho algo que é meio ur.ente – a tecla do ‘g’ no teclado dela estava quebrada –, preciso de ajuda”.

Alice Sola Kim e Jenny Zhang; grupos ajudam com apoio e críticas Foto: The New York Times

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A história, que ia e voltava entre as tramas, era intencionalmente não tradicional, e ela não queria perder isso. Os colegas cujos conselhos ela procurava, disse ela, “sugeriram que ela mantivesse as bordas irregulares” enquanto tornavam a história “melhor do que estava”. Quando se encontraram, eles a ajudaram a encontrar o fio da meada da história, que ela terminou e incluiu em seu livro de 2017 Sour Heart (Coração Azedo).

Escrever costuma ser um ato solitário, mas alguns escritores descobriram uma forma de tornar o processo mais colaborativo, mesmo antes do envolvimento de editores, agentes e outros profissionais de publicação. O grupo de Zhang, que inclui Alice Sola Kim, Karan Mahajan e Tony Tulathimutte, tem se reunido todos os meses desde que estudavam na Universidade de Stanford. Suas sessões são bastante estruturadas, com prazos para o envio de rascunhos e notas detalhadas de manuscritos, enquanto outros grupos se reúnem de maneira mais informal para conversar sobre suas carreiras, se solidarizar com os prazos ou fofocar sobre a indústria editorial.

“Você achará que escrever é muito solitário, muito difícil e frustrante, e que realmente não sabe o que está fazendo”, afirmou o escritor Mikki Kendall, de Chicago. Mas em um grupo de escritores, “é possível conversar com outras pessoas que estão percebendo uma saída”.

Para Zhang, o grupo surgiu da necessidade de um espaço de mais apoio do que o que ela encontrava nas aulas de redação criativa. “Haveria histórias racistas sendo apresentadas e elogiadas em oficinas”, disse ela. “Eu não tinha adultos ou escritores publicados para admirar, então foi bom ter esse espaço horizontal.” Ao longo dos anos, além de editar o trabalho um do outro, eles também procuraram conselhos para escolher um agente ou candidatar-se a residências de escritores.

O fato de esses grupos serem autosselecionados significa que podem ser modelados de acordo com as necessidades de seus membros. No ano passado, David Greenberg, que ensina história e mídia na Universidade Rutgers, estava trabalhando sabaticamente em biografia do deputado John Lewis quando formou um grupo de escritores. Ele enviou a proposta por e-mail a cerca de uma dúzia de acadêmicos e jornalistas especializados em história, e a maioria deles topou.

“Temos certo conhecimento tanto sobre conteúdo como abordagem, o que torna uma discussão particularmente informada e de alto nível”, garantiu Greenberg. Criticando um capítulo da futura biografia de Judah Benjamin, de James Traub, outro integrante da equipe, “começamos um debate sobre escravidão e posse de escravos de Benjamin, e isso o encorajou a fazer um retrato mais detalhado da escravidão em New Orleans, onde Benjamin morava.” Alguém também recomendou um livro acadêmico que ajudou na pesquisa de Traub.

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As memórias gráficas de Mira Jacob, aclamadas pela crítica, Good Talk, que refletem sua vida pelas lentes de raça, sexualidade e identidade, surgiram em parte em discussões desafiadoras com seu grupo de escritores. Ela deixou uma versão anterior depois que um integrante descartou um rascunho de seu livro como um exemplo do que “arruinava os Estados Unidos”.

Seu novo grupo, que inclui os romancistas Alexander Chee e Julia Phillips, é integrado principalmente por negros e Jacob contou que as conversas resultaram “no seu livro mais vibrante”. Good Talk termina com uma carta aberta ao filho jovem de Jacob, cujas perguntas sobre raça e política enquadram o livro. De início, lembrou Jacob, a escrita foi dificultada pela raiva dela por ter de escrevê-la, mas o grupo a levou a se aprofundar: a quem era dirigida a raiva? O que significava estar zangada em uma carta para o filho? O que ela estava tentando transmitir?

“Eu estava realmente crua quando conversamos sobre isso. Estava meio aterrorizada. Mas também sei que nunca chegaria a esse lugar com o outro grupo porque a única coisa que eu fazia era dizer: ‘Não, isso é real’”, revelou ela. “Escrever para a voz que exige complexidade e nuances de você, que o torna um escritor melhor.”

Outros grupos entram em tudo, menos na escrita. Aquele ao qual Ingrid Rojas Contreras, autora do romance Fruit of the Drunken Tree (Fruto da Árvore Bêbada), pertence, não troca trabalho algum, concentrando-se em fornecer apoio e recursos mútuos. Os membros hospedam-se em suas casas na área da baía de São Francisco, cozinhando, bebendo vinho e, às vezes, jogando tarô para se divertir com as respostas a perguntas sobre carreira. “Queria ter uma comunidade”, ressaltou Rojas Contreras. “Às vezes, quando você está trocando textos, pode ser tudo o que isso se torna.”

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Mas para Zhang e seu grupo, é importante desenvolver relacionamentos de longo prazo com o trabalho um do outro, e isso os ajuda a analisar como a escrita está evoluindo. 

Em outubro, eles se reuniram na sala de Tulathimutte, em Nova York, para discutir uma das novas histórias de Zhang. A crítica foi franca (“Eu me senti em todos os lugares nas primeiras páginas”, disse uma integrante, Anna North), mas eu pretendia ser útil, não irritante. Tulathimutte observou que um personagem paralelo era usado como um dispositivo de plotagem e, em um caso, o grupo foi discutindo apenas uma linha.

Foi a primeira vez que Zhang se sentiu à vontade para apresentar algo que ainda tinha erros de digitação e redundâncias, mas ela sabia que se beneficiaria do feedback de pessoas em que confiava. “Eu pensei, ‘está tudo bem com esses caras’.” / TRADUÇÃO DE CLAUDIA BOZZO

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