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Autonomia da arte é discutida em debate opaco na Flip

Diamela Eltit e Carlos Nader falaram sobre as relações das linguagens marcadamente autorais de cada um com a política; um homem na plateia chegou a gritar 'chega!' durante a apresentação

Por Guilherme Sobota
Atualização:

PARATY - Numa mesa opaca da programação da Festa Literária Internacional de Paraty (Flip), nesta sexta-feira, 28, a escritora chilena Diamela Eltit e o cineasta brasileiro Carlos Nader discutiram a amplitude da linguagem e suas relações com a política.

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Durante a apresentação dos convidados pelo mediador, o poeta João Bandeira, um homem gritou da plateia: "chega!".

Durante o encontro, os dois autores debateram sobre uma suposta dificuldade que suas linguagens, marcadamente autorais, poderiam impor ao público alvo.

"Sou uma espécie de fundamentalista da autonomia da obra de arte", disse Nader. "Acredito que a autonomia se manifesta antes mesmo que a obra exista. Claro que é um processo dialógico, nada de Chico Xavier. Devemos satisfação à obra, não ao público."

Carlos Nader, Diamela Eltit e João Bandeira em Paraty, nesta sexta-feira, 28 Foto: Walter Craveiro

Ele deu um exemplo de um filme seu, Preto e Branco, de 2004. Nader buscava um racista que falasse sobre isso abertamente (no Brasil "não existe nenhum", ironizou). Como não encontrava, resolveu perguntar questões de cor de pele para um homem cego de nascença - que surpreendemente revelou um ódio explícito contra descendentes de asiáticos. Segundo Nader, o pai dele se chamava Hitler de Lima. E vivia na Rua Estado de Israel. "É assim que a obra se manifesta", comentou.

"Eu parei de escutar pessoas dizendo que não me entendiam", disse Diamela. "Existe uma norma oficial de escrita que é muito pedagógica, então me refugio na liberdade do sistema artístico."

A escritora está lançando na Flip dois livros. O romance Jamais o Fogo Nunca, pela editora Relicário, e A Máquina Pinochet e Outros Ensaios, coletânea de textos críticos, pela e-galáxia. Conhecida por sua obra, ficcional ou não, sempre muito ligada a questões políticas, ela recebeu críticas ao longo da carreira de ter um texto hermético.

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Outra bandeira erguida pela escritora desde os anos 1970 é o feminismo.

"As melhorias que aconteceram ao longo das décadas não são simétricas entre homens e mulheres", lamentou. "O Chile debate agora a questão do aborto por má formação do feto, em caso de estupro ou risco de vida para a mãe. Ainda não foi aprovado. Mulheres de direita internalizaram as vozes masculinas e rejeitam essa ideia."

Ela citou o caso de uma conhecida, argentina, que se recusou a ser doadora de órgãos em protesto a esse bloqueio. "Ela me dizia que enquanto não tivesse autonomia sobre o próprio útero, não doaria nenhum orgão para o sistema", contou, e acrescentou: "vou seguir pensando na igualdade social porque ela seria boa não apenas para o século 21, mas também para o 22 e para o 23".