'No Mar', novo livro de Toine Heijmans, fala sobre paternidade

Obra será lançada no País em festival de literatura holandesa

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Foto do author Maria Fernanda Rodrigues
Por Maria Fernanda Rodrigues
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AMSTERDÃ - Um pai e sua filha de seis anos viajam sozinhos para o Marrocos e a experiência será contada, na volta, em um artigo. Tudo vai bem até que a garota sobe uma duna, no deserto, e desaparece do campo de visão do pai. Ele corre desesperado; ela, achando que é uma brincadeira, corre mais ainda. Anos depois, a cena, real e vivida, com final feliz, pelo holandês Toine Heijmans, volta em livro num cenário diferente: um barco. O protagonista de No Mar é Donald, na casa dos 40 anos e há 15 trabalhando na mesma empresa. As promoções esperadas nunca vêm apesar de ele ser um funcionário exemplar. Seus colegas são cada vez mais jovens e tudo vai perdendo o sentido. Ele então conta para a mulher que a empresa ofereceu um período sabático remunerado de três meses e sai, sozinho, em viagem pelos mares do Norte e Frísio e pelo Oceano Atlântico em seu barco Ishmael, uma referência ao único sobrevivente de Moby Dick. As últimas 48 horas do percurso seriam feitas na companhia de Maria, sua filha de 7 anos. Navegariam juntos do vilarejo Thyboron, na Dinamarca, para casa, na Holanda. Acompanhamos sua certeza sobre o que estava fazendo, afinal, queria ensinar à menina que há formas diferentes de viver e que ela não deveria ser uma marionete. Queria, também, passar um tempo só com ela, conquistar um espaço preenchido, na opinião do autor, por natureza, pela mãe. Ao mesmo tempo, vemos sua insegurança, afinal, como ele disse, só sabemos se as coisas vão dar certo quando elas terminam.

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E, para ele, não deram muito. Sem deixar vestígio, a menina desaparece em plena noite. E aí começamos a acompanhar, também, seu desespero e sua tentativa de encontrar a filha naquela imensidão. "Perder uma criança é uma coisa monstruosa. Falei para o meu editor que queria essa história e ele não gostou, disse que seria muito emotivo. Mas, por que, se esse é um medo que todo pai e toda mãe tem?", conta o autor. Então ele publicou, em 2011, esta que é sua primeira obra de ficção - premiada na França com o Prix Médicis de romance estrangeiro. No Mar sai no Brasil em agosto, pela Cosac Naify, em tempo do Café Amsterdã - o festival literário que a Fundação Holandesa das Letras realizará em São Paulo e no Rio entre 27/8 e 4/9. Toine Heijmans é um dos autores da programação que inclui ainda, entre outros, Arnon Grunberg, um dos escritores mais badalados do momento na Holanda e que lançará Tirza, também sobre paternidade, pela Rádio Londres.

Em seu relato, o comandante narrador apresenta toda a rotina no barco - sem a qual tudo pode acabar muito mal -, divaga sobre a infância ("Ela não conhece o medo adulto, que esmaga os miolos da gente. Medo de criança é fácil de espantar") e sobre como pai e mãe lidam de forma diferente com as suas crias ("Mães não querem que seus filhos cresçam; pais, sim. Pais não veem a hora de que seus filhos cresçam bastante para poder fazer com eles coisas de pai"). Por trás disso tudo, uma ideia inicial de liberdade que não condiz com a realidade. "Você não está livre de forma alguma. É preciso obedecer regras rígidas, ou então morre. Não há liberdade no oceano, mas sim solidão", diz o autor que, desde os 7 anos, tinha duas certezas: seria escritor e viveria próximo de barcos. Juntou os dois neste livro, e justifica dizendo que só gosta de escrever sobre aquilo o que conhece. Os cheiros, o balanço, nossa insignificância diante da força da natureza. Tudo o que aprendeu com seu próprio barco. Donald queria essa liberdade; só não conseguiu bancá-la. "Hoje as pessoas acham que podem fazer qualquer coisa, que são os donas do mundo. Especialmente no que diz respeito à natureza. Temos que respeitar as regras do mar, das nuvens, das montanhas." E respeitar os próprios limites e o equilíbrio mental, abalado pelo isolamento que pode enlouquecer qualquer um. "O mar pode fazer estranhas com as pessoas", diz o autor. Nas pesquisas, relatos de viajantes que voltaram diferente ou que nunca conseguiram parar de navegar, e dos que perderam a razão. Donald está nesse barco, e é tudo o que ele tenta evitar: "Quando você não consegue mais raciocinar com clareza, o mar te arrasta".TRECHO

"Se não fizer como combinado, eles arrastam meu barco para dentro. De volta às pessoas e suas coisas. Um barco pode zarpar, mas no fim tem que retornar a um porto.O mundo é assim. Os únicos barcos que permanecem no mar são os que naufragaram."

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"Eu também sabia por que ela tinha insistido tanto com o sabático. Hagar tinha esperança de ver um homem diferente na volta: mais alegre. Um pai melhor. Para isso ela estava disposta a qualquer sacrifício. Depois de um dia ruim no escritório, Hagar fazia o possível para me tranquilizar.Às vezes de um modo que eu nem percebia. Mas ficava cada vez mais difícil me animar. A viagem era uma chance de 45 mudar isso. Talvez por esse motivo ela tenha consentido que eu fizesse as coisas do meu jeito. Sacrificou sua filha, na esperança de que isso pudesse ajudar."

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"Durante três meses eu tinha buscado tranquilidade no mar. Mas não consegui realmente encontrar calma. As pessoas com que cruzei no caminho me faziam lembrardo pessoal do escritório. Todo porto e toda ilha estavam cheios de gente. Não tinha como escapar. Além disso, cada milha que eu velejava me levava para mais perto do mundo do qual eu fugira. E assim me sentia ficando cada vez mais pesado, até que vi Maria. Minha filha, que me amava. Dali em diante pensaria nela quando lembranças sobre o escritório rondassem a minha cabeça. Em Maria e Hagar. Simples assim. Me sentia forte e alerta. Ia mostrar para eles, aqueles velejadores ricos nos iates à minha volta. Eles tinham uma máquina de lavar a bordo, eu tinha a minha filha. Quem estava melhor?"

NO MARAutor: Toine HeijmansTradução: Mariângela GuimarãesEditora: Cosac Naify (160 págs., sem preço definido) Lançamento em agosto

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