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Uma geléia geral a partir do cinema

Fumando espero. Ou Paulínia, lá vou eu!

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Por Luiz Carlos Merten
Atualização:

Ia a Paulínia, ontem, para assistir ao longa de Ana Luiza Azevedo, no último dia da mostra competitiva. Mas terminei ficando em São Paulo por conta de uma exibição especial de 'O Contador de Histórias' no CEE da Brasilândia. Gostei de ter revisto o filme de Luiz Villaça com a plateia jovem reunida no centro que abriga o projeto Criança Esperança da vila. Sentei-me atrás e foi interesasante assistir às reações da garotada, em que momentos e como elas reagiam. Depois, conversei rapidamente com o diretor e ele reforçou algo que notara. Houve outra sessão, antes, para comunidade, no Rio e lá ocorreu a mesma coisa. O filme conta a história de Roberto Carlos Ramos, interno que vive fugindo da Febem, ganha a oportunidade de ser assistido por uma pesquisadora francesa no Brasil - o papel é interpretado por Maria de Medeiros - e dá a volta por cima, virando um dos dez maiores contadores de histórias do mundo. A gente, o diretor, eu, a maioria do público adulto que conheço, tende a ver o filme pelo ângulo da personagem de Maria. A garotada das comunidades, que talvez não tenha tantas oportunidades, vê pelo do próprio Roberto Carlos, que lhes é mais próximo. E eles reagem muito a cenas pontuais - o estupro, por exemplo. Não digo que tenha gostado mais - um pouco, pelo menos -, mas o filme se constrói por meio de detalhes e vários deles são bem sacados (e apareceram mais na revisão). O que quero falar agora é de uma cena do filme, que remete curiosamente a outra cena, de outro filme, que também está concorrendo em Paulínia, 'Quanto Custa o Amor?', de Roberto Moreira. São exatamente iguais, uma lá pelos três quartos do filme de Villaça, a outra no final do de Moreira. Maria de Medeiros está indo embora do Brasil e conversa com a técnica da Febem que ficou sua amiga. As duas fumam e Maria faz seu discurso - Paulo Roberto teve atenção especial e terá a chance de um futuro melhor. A outra diz que gostaria de tratar cada criança daquele jeito individualizado, mas a política pública para o menor não permite que isso ocorra. E ela diz que luta uma batalha perdida - desde o momento em que a mãe entrega seu filho à instituição. Elas falam, e fumam. Lembrei-me da letra de um velho tango-canção - 'Fumando espero/aquele a quem mais quero/se ele não vem, então me desespero/E, enquanto eu fumo, depressa a vida passa/e a sombra da fumaça/me faz adormecer (ou será esquecer?)...' A mesma cena está no final de 'Quanto Custa o Amor?' e agora são duas mulheres que levaram o pé, por diferentes motivos, mas que remetem a uma problemática, digamos, particular. Estamos falando de sexo, de amor, de afeto e elas seriam, ou são, representantes daquilo que hoje se define como 'sexualidades alternativas'. Uma delas é interpretada por Sílvia Lourenço, que já havia feito 'Contra Todos' com o diretor. A outra é uma atriz que ainda vai dar o que falar e o curioso é que sua personagem adverte Sílvia, no começo, de que gostaria que ela não fumasse em sua casa, mas agora parte dela, tão perturbada, a ideia de pedir um cigarro. Independentemente do que achei dos dois filmes, se gostei mais, menos ou nada, as cenas me pareceram muito bem construídas. A mesma sensação de insatisfação, de limite, como se as personagens todas tivessem chegado a becos sem saída (exceto a de Maria). As outras estão todas ali, mais ou menos engessadas, imobilizadas, pelo preconceito e mais alguma coisa. Estou indo para Paulínia agora no final da tarde. Vou assistir a 'Tempo de Paz', de Daniel Filho, que encerra o festival - e o diretor será homenageado, não sei se antes (creio que sim). Logo em seguida, ocorrerá a premiação. Queria deixar registrada antes minha emoção por essas duas cenas. Não sou fumante, mas na tela, sem a necessidade de aspirar a fumaça que contamina os ambientes, acho o ato de fumar, dramaturgicamente, uma coisa notável. Essas duas cenas que o digam. Só espero que a correção política não leve o cinema brasileiro a desistir dessas cenas, como nmorte-americano e até o francês. Lembram-se do post sobre M. Hulot, censurado na França por fumar cachimbo? Paulínia, lá vou eu!

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