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Opinião|Dona Lúcia, a Mãe

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Foto do author Luiz Zanin Oricchio
Atualização:

Morreu hoje Dona Lúcia Rocha, mãe do cineasta Glauber Rocha (1939-1981). Dona Lúcia tinha 94 anos e em poucos dias completaria 95. Era uma figura conhecida e amada por todos os que gostam do cinema brasileiro.

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Uma guerreira, uma fortaleza, era como todos a definiam. Dona Lúcia perdeu três filhos e tocou a vida adiante. Ana, uma das filhas, morreu ainda criança, de leucemia. Anecy Rocha morreu num acidente de elevador em 1976 e Glauber voltou doente de Portugal para morrer no Rio poucos dias depois, em 1981.

Dona Lúcia fundou o Tempo Glauber, em Botafogo, seu legado maior. Sempre às voltas com dificuldades, a entidade tem por fim conservar o imenso legado de Glauber sob a forma de desenhos, textos, projetos acabados e inacabados, que ele foi deixando para atrás e ela foi colecionando ao longo da vida. É um tesouro, do nosso cineasta maior.

Durante muitos anos convivemos com Dona Lúcia. Era presença indispensável nos festivais de cinema, em especial o de Brasília. Todos a tratavam com grande carinho e ela retribuía. Era, um pouco, a mãe de todos nós. Mas o sentido de sua presença nessas festas do cinema era sempre o mesmo - a preservação ativa da memória do filho. Por exemplo, numa das edições, levou uma cópia do raro História do Brasil, de Glauber e Marcos Medeiros, um filme que poucos de nós conhecíamos.

Numa das vezes em que a entrevistei fomos à praia de Buraquinho, perto de Salvador, onde Glauber filmou seu primeiro longa, Barravento (1962). Dona Lúcia, que era também muito bem-humorada, contou histórias divertidas sobre aquela produção precária de um dos primeiros títulos do Cinema Novo.

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Convivíamos muito na Jornada de Cinema da Bahia, onde também era habituée. Lembro da preocupação de Guido Araújo, diretor da Jornada, depois de um jantar: "Agora a Dona Lúcia cismou de ir ao Pelourinho..."E lá fomos ao Pelô, escoltados pela velhinha. Acho que isso se deu por ocasião do lançamento em Salvador de Cartas ao Mundo, a correspondência ativa e passiva de Glauber organizada por Ivana Bentes.

Rô e eu gostávamos muito dela. Era uma figura simbólica do cinema brasileiro, mas também uma amiga mais velha e muito chegada. Nos últimos anos, Dona Lúcia deixara de ir aos festivais. Sabíamos a razão. Era a idade. Perguntávamos sempre por ela a Paloma, sua neta, filha de Glauber e Helena Ignez. Paloma nos dizia: estava velha mas ia bem... Agora se foi, em idade provecta e vida bem vivida. Tenho certeza de que foi em paz.

A importância de Dona Lúcia para a cena cultural brasileira foi reconhecida numa biografia escrita por José Roberto Arruda e num filme realizado por Fernando Belens e Umbelino Brasil, A Mãe.

 

 

Opinião por Luiz Zanin Oricchio

É jornalista, psicanalista e crítico de cinema

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