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Opinião|ETV 2024 (4): Tantos bons filmes...brasileiros

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Foto do author Luiz Zanin Oricchio

 

Prossigo aqui minha sequência de notas sobre filmes vistos no ETV. Relembro que esses pequenos textos servem (se é que...) como meras indicações, a serem desenvolvidas (ou não) mais tarde, quando esses filmes estiverem em cartaz, seja nos cinemas seja nas plataformas de streaming. 

A cineasta Helena Solberg  

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Verissimo, de Angelo Defanti. O diretor escolhe uma tarefa inglória, retratar um personagem genial, porém famoso por seu laconismo. Muito econômico com as palavras, Verissimo pouco rende em entrevistas. Assim, per forza, o projeto torna-se um doc observacional. Acompanhamos o cotidiano do escritor, em sua casa em Porto Alegre, cercado pelo carinho da família, nos 15 dias que antecedem seu 80º aniversário. Em todo caso, descontada essa dificuldade, Defanti nos oferece momentos de convívio com este que é um dos maiores escritores do nosso tempo, um espírito vivo e crítico, sempre do bom lado da História (com agá maiusculo), além de excelente contador de histórias (com agá minúsculo). Curiosamente, em público, Verissimo solta-se mais, como se vê em algumas de suas participações em debates. A presença do público parece estimulá-lo. Mesmo discreto, consegue ser mordaz, certeiro e sempre inteligente. É um patrimônio do país. 

Um Filme para Beatrice, de Helena Solberg. Uma italiana chamada Beatrice manda uma carta para a cineasta Helena Solberg dizendo ter visto um filme dela, A Entrevista, de 1966. Ajunta uma pergunta: "Como estão as mulheres do Brasil hoje em dia?" A questão soa natural para quem acabara de ver o inovador A Entrevista, uma reflexão sobre sexo, casamento, amor livre, etc., nos anos 1960, momento de mudança de costumes, porém de resistência de ideias conservadoras na sociedade brasileira. A pretexto de responder à questão de Beatrice, Helena revisita sua obra, toda ela, de uma maneira ou de outra, relacionada à questão feminina, em geral vista pelo ângulo político. Desde seus documentários pela América Latina, seu filme inovador sobre Carmem Miranda, até a adaptação de Vida de Menina, de Helena Morley, toda essa trajetória é marcada pela coerência. Ajunta a essa retrospectiva de obra, uma conversa luminosa com a pensadora Heloísa Teixeira (ex-Buarque de Holanda), de quem é amiga. Mulheres, não deixem de ver este filme. Homens, idem. 

Hoje é o primeiro dia do resto da sua vida, de Bel Bechara e Sandro Serpa. O casal de cineastas estava, como todo mundo, preso em casa por causa da pandemia, quando foi surpreendido por um telefonema. Depois de cinco anos de espera, havia a possibilidade de adotarem uma criança. O filme registra todo esse processo, do primeiro encontro, aos trâmites burocráticos, até a chegada do bebê à sua nova casa. É um filme de amor, feito de maneira amorosa. Comove. 

Tesouro Natterer, de Renato Barbieri. O naturalista austríaco Johann Natterer veio ao Brasil em 1817 para uma expedição pelo país. Ficou aqui por 18 anos. Ao longo deles, foi coletando, plantas, insetos, animais, utensílios e arte de tribos indígenas, e os remetendo a Viena. Seu acervo é impressionante e compõe cerca de 50 mil peças. É, talvez, a maior coleção etnográfica sobre os povos originários do Brasil. O doc refaz essa saga através de imagens, documentos e depoimentos, assumindo uma feição clássica. Leva um chefe indígena a Viena para visitar o acervo. Ele constata que muitas daquelas peças, de 200 anos, não são mais confeccionadas em sua comunidade. É um pedaço da história, perdido e reencontrado na Europa. Cabe reintegrar essa preciosidade ao patrimônio do país? Pergunta de difícil resposta. 

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Fernanda Young - Foge-me ao controle, de Susanna Lira. A diretora faz uma espécie de ensaio poético sobre a polêmica e múltipla personalidade de Fernanda Young, artista e escritora morta precocemente. A maneira como o filme é construído não joga tanta luz sobre a faceta mais contraditória da personagem, porém ilumina alguns pontos curiosos em sua trajetória, maneira de ver o mundo e a si mesma, a provocação assumida como atitude mercadológica, a persona construída, mas também desconstruída de artista maldita, de alguém sem papas na língua, aquela que diz o que outros (e outras) calam, etc. A personagem não sai mais simpática do filme, mas este atiça alguma curiosidade sobre a obra deixada, 15 livros entre outras criações, como roteiros de filmes e séries. Sustentam-se sem a presença física e midiática da sua autora? Eis a questão. 

 

Opinião por Luiz Zanin Oricchio

É jornalista, psicanalista e crítico de cinema

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