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Opinião|'Golda - a Mulher de uma Nação' mostra contradições e grandezas da estadista israelense

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Henry Kissinger diz a Golda Meir: não se esqueça, eu sou em primeiro lugar americano, em segundo Secretario de Estado e apenas em terceiro judeu. Golda retruca: e você não se esqueça de que aqui escrevemos da direita para a esquerda. Essa é apenas uma das boutades de Golda - a Mulher de uma Nação, que narra um curto período da trajetória política da líder israelense. 

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O filme, dirigido por Guy Nattiv, narra um trecho crucial tanto do governo de Golda (1969-1974), quanto da própria história de Israel. Atacado de surpresa pelos árabes durante o Yom Kippur de 1973, Israel esteve a ponto de ser derrotado. Salvou-se, afinal, valendo-se de um auxílio crucial dos Estados Unidos, seu aliado. 

As conversas, presenciais e telefônicas, entre Kissinger e Golda se dão num quadro político complexo. Atacado, Israel precisa desesperadamente de ajuda. Mas o governo americano tem sua cota de problemas internos a resolver - ferve, no momento, o caso Watergate, que levaria Nixon à renúncia. Golda argumenta que só não havia desfechado um ataque preventivo contra os árabes para não contrariar os americanos. No xadrez internacional, que incluía o relacionamento complexo com a União Soviética, esse fator de desequilíbrio no Oriente Médio poderia complicar as coisas. Se os árabes, em particular a Arábia Saudita, fechassem as torneiras do petróleo, seria uma dificuldade adicional - esta de ordem econômica. 

Nessa corda bamba, Golda, idosa e doente de um câncer, revela-se uma estadista. Morde e assopra e, no final, joga duro para conseguir o que deseja e precisa: ajuda em material bélico naquele momento de crise. Mesmo contrariado, o governo americano manda a Israel 93 aviões Phantom e 26 mil toneladas de equipamentos, o que foi determinante para a virada da guerra. 

Do ponto de vista dramático, o filme é bem interessante. Passa-se quase todo em ambiente fechado, com reuniões entre a primeira-ministra e seu gabinete de guerra. Poucas cenas de batalha são mostradas, vendo-se apenas raras sequências aéreas com bombardeios no solo. É a guerra do bastidor que interessa, com seus jogos de pressão, conflitos de interesses entre os protagonistas, habilidades de jogador e capacidade de blefar em momentos de clímax. 

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O ponto de vista é sempre israelense, embora não ufanista. Ignora o outro lado e outras versões. Golda Meir é interpretada pela britânica Helen Mirren, sob camadas de maquiagem. Mesmo assim, é sua capacidade de atriz que sobressai, numa caracterização rica de matizes. Além do "pôquer" disputado com Kissinger (Liev Schreiber), Mirren destaca-se em cenas pungentes como quando o marido de uma de suas funcionárias aparece na lista de mortos em combate. Emociona, sem ser piegas. 

Embora mostre a primeira-ministra sob ângulo em geral positivo, não esconde facetas menos favoráveis. Fumando um cigarro atrás do outro, é mulher dura e joga com Kissinger uma carta forte - e cruel. Ameaça matar milhares de soldados inimigos que se encontram cercados sem água e alimentos caso suas exigências de ajuda bélica não sejam atendidas. Não esconde também seu ódio aos russos, ela que havia nascido em Kiev em 1898 e sofrera com a perseguição antissemita. 

Golda é forte no momento em que o militar-símbolo de Israel, Moshe Dayan, dá mostras de fraquejar. No plano pessoal, abre-se apenas com sua ajudante de ordens, Lou Kaddar, vivida pela francesa Camille Cottin (da série da Netflix Dix pour Cent). Diz a ela não querer ser capturada viva caso a guerra seja perdida e ordena que tome as devidas providências nessa hipótese extrema. 

Golda - a Mulher de uma Nação é um bom e adulto filme político. Mas, como, político? Não se trata da Guerra do Yom Kippur? Sim, mas como dizia Clausewitz, a guerra é a continuação da política por outros meios. 

Opinião por Luiz Zanin Oricchio

É jornalista, psicanalista e crítico de cinema

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