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Opinião|O 'maio de 68' continua muito bem na fita

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Foto do author Luiz Zanin Oricchio
Atualização:

Poucos dias antes de ser eleito, o atual presidente francês Nicolas Sarkozy disse que era preciso 'enterrar o maio de 68'. A lembrança rebelde, segundo Sarko (como o chamam os franceses) faria mal ao país. Não é bem o que pensam seus conterrâneos. De acordo com enquete encomendada pela revista Le Nouvel Observateur, 74% dos pesquisados afirmaram que '68 teve efeito positivo sobre a sociedade'. Distorção esquerdista dos entrevistados? Não parece: 60% das pessoas ouvidas se dizem de direita. E 65% dos que responderam ao questionário afirmam ter votado em Sarkozy nas eleições.

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Esse balanço positivo dos acontecimentos de 40 anos atrás se traduz em alguns aspectos contemporâneos, que as pessoas ouvidas relacionam aos avanços produzidos pelo maio de 68 - a divisão mais justa de tarefas entre homens e mulheres vem em primeiro lugar. A seguir, o direito sindical, a sexualidade, as relações entre pais e filhos, os costumes. Sob influência do 'mês rebelde', a sociedade liberalizou-se.

E quais são as cenas que vêm espontaneamente à mente das pessoas? Em primeiríssimo lugar, os enfrentamentos de rua entre estudantes e a polícia. Depois, a Sorbonne ocupada e, em terceiro lugar, Daniel Cohn-Bendit diante de um policial.

Aliás, Daniel Cohn-Bendit, 'Danny, le Rouge' também está na edição da revista, que comenta o lançamento do seu livro Forget 68, e do qual traz alguns excertos inéditos. Quem lê as primeiras linhas imagina um Cohn-Bendit triunfalista, ainda no papel de jovem líder estudantil de Nanterre, apelidado de 'o Vermelho' por seu radicalismo de esquerda. Mas, 40 anos depois, o antigo incendiário tornou-se deputado do Parlamento Europeu pelo Partido Verde do seu país de origem, a Alemanha.

No título do seu livro, Cohn-Bendit pede que esqueçam 68. E por quê? 'Porque vencemos', responde, sem hesitar. No entanto, o que se lê nas páginas seguintes não é exatamente um inventário de triunfos e auto-elogios. Ele entende que a vitória se deu no plano cultural; e neste, ela foi integral. Avançou-se nos costumes, nas relações entre homem e mulher, na consideração da liberdade e da autonomia do indivíduo como direitos absolutos, etc. Conquistas de 68.

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Mas, em seguida, começa uma lista também significante de 'poréns'. Cohn-Bendit acha que sua geração ainda tem dificuldades na relação com a globalização e que, portanto, não entende muito bem o mundo contemporâneo. Muitas vezes essa geração permanece presa de 'categorias políticas ultrapassadas' e bipolares como capitalismo x socialismo, bem x mal, Estado x mercado.

Outra falha de 68 e sua gente pode ser encontrada na maneira de se relacionar com o poder. Ele se refere à descrença na 'democracia formal', como se dizia na época. Ceticismo formulado em uma das palavras de ordem famosas dos estudantes: 'Élections, piège à cons!' (Eleições, armadilhas para idiotas). Talvez não fosse possível, naquele ano, raciocinar de outra forma, considera Cohn-Bendit, 'porque estávamos presos ao mito de um sistema político pós-democrático'. O que seria isso? Uma sociedade organizada através de conselhos operários, camponeses, estudantes, consumidores, tudo funcionando na base da autogestão. Uma utopia. E, ao desprezar o processo democrático, teriam sido lenientes com os totalitarismos, incluindo o soviético.

Esse é o balanço de 68 de Danny, o Vermelho, hoje convertido em Danny, o Verde.

Opinião por Luiz Zanin Oricchio

É jornalista, psicanalista e crítico de cinema

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