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Opinião|Oppenheimer, personagem de luz e sombra

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Foto do author Luiz Zanin Oricchio

 

 

As três horas de Oppenheimer, de Christopher Nolan, me deixaram chapado. De início, registro que se trata de um filme adulto, raro em especial na seara dos blockbusters, obras de grande orçamento. Como diz o crítico do El Pais, Carlos Boyero, são poucos os filmes desse tipo destinados a pessoas com mais de 12 anos de idade.

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Em Oppenheimer entramos, de fato, no mundo adulto, confuso, contraditório, ambíguo. E num momento crucial da História - a Segunda Guerra Mundial, até agora o mais sangrento conflito em que a humanidade se envolveu. Em meio à carnificina, surge a possibilidade teórica de uma arma capaz de decidir a guerra. Einstein, já no exílio, avisa a Roosevelt que, em tese, seria possível criar uma bomba de alto poder de destruição, uma bomba atômica. E=mc2, ele já havia escrito, calculando a dimensão da energia liberada em função da massa. Energia é igual à massa multiplicada pela velocidade da luz elevada ao quadrado. Uma enormidade. 

Entre a teoria e a prática, havia uma infinidade de problemas tecnológicos para resolver. Mas, era possível. E os alemães já estavam a caminho. Era 1943 e a guerra não estava decidida.

Einstein avisou, mas quem tocou o projeto foi o físico norte-americano J. Robert Oppenheimer, no filme interpretado por Cillian Murphy. Foi o escolhido e reuniu o grupo de cientistas que se isolou por dois anos no deserto de Los Alamos até conseguirem explodir uma bomba experimental e verificarem que a tecnologia estava à point. Pronta para ser usada. A esta altura, os alemães já haviam perdido a guerra, mas os japoneses continuavam o conflito com os Estados Unidos.

Há um ponto central na história. Logo após o teste, o militar-chefe do projeto, Leslie Goves (Matt Damon) se descola de Oppenheimer e passa a comandar o processo. Saem os cientistas, entram os milicos. E, com eles, a lógica da guerra, e da política. E esta, em decisão ambígua, considerou interessante jogar o novo invento bélico sobre duas cidades sem interesse estratégico. Apenas para servir de palco ao novo poderio e forçar a rendição. Apenas? Bem, pelo menos foi a justificativa. Apressar o fim da guerra significava trazer "os nossos rapazes" de volta. Poupar vidas. Mas há historiadores que sustentam que essa prova de força também estava destinada a mostrar a todos o poderio americano e sua supremacia no mundo novo que saía da Segunda Guerra. E então Truman resolveu jogar a bomba. Aliás, as bombas. 

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Hiroshima e Nagasaki custaram 220 mil vidas, entre mortos no momento das explosões e vítimas posteriores da radioatividade. E estas vítimas, em aparência, não encaixavam bem na contabilidade moral de Oppenheimer, um ser atormentado, com formação pendente à esquerda e humanista. 

O filme é feito dessa dualidade. A Realpolitik em tempo de guerra e expansão norte-americana pelo mundo contra considerações de ordem ética e humanística. Oppenheimer, judeu, podia ser persuadido de que fabricar uma arma para derrotar os nazistas era uma coisa boa. Usá-la contra a população civil japonesa era outra história. 

 Longe de ser apenas um filme de grande espetáculo (também é), Oppenheimer joga com uma sólida rede de relacionamentos e enredo dramático. Coloca o protagonista num contexto de criação em ambiente judaico liberal. Expõe suas relações complicadas com as mulheres e com colegas Faz sua personalidade emergir em um ambiente de guerra, no qual tudo é preto ou branco, amigo ou inimigo, bom ou mal - ou seja, de polarização absoluta, na qual nuances são abolidas ou vistas como suspeitas. 

Em meio a esse turbilhão, o trunfo jogado por Nolan é apresentar seu personagem como figura dividida, feita de luz e sombra, dúvidas e certezas, inteligência brilhante mesclada a uma profunda ingenuidade a respeito das coisas deste mundo e de como são gerenciadas por aqueles que detêm de fato o poder.

Até agora, é o grande filme político do ano.

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Opinião por Luiz Zanin Oricchio

É jornalista, psicanalista e crítico de cinema

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