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Pequenas neuroses contemporâneas

Opinião|Desordem Institucional

Ao longo de quase um ano, Bolsonaro usou termos como 'gripezinha', disse que não morreriam nem 800 pessoas por covid-19, chamou o Brasil de 'país de maricas'

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Por Marcelo Rubens Paiva

Em 1987, o capitão Bolsonaro bola operação para explodir bombas em banheiros de quartéis em protesto contra o baixo salário de militares. Planeja detonar bomba na adutora que abastece de água o município do Rio. 

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Conselho Militar declara incompatibilidade para o oficialato e perda de patente, em que se registra “desvio grave de personalidade e uma deformação profissional”. É chamado de “mau militar” por Geisel. 

Em 1999, como deputado federal, afirma em entrevista à rádio: “Através do voto, você não vai mudar nada neste país, absolutamente nada! Só vai mudar, infelizmente, se um dia nós partirmos para uma guerra civil aqui dentro, e fazendo o trabalho que o regime militar não fez: matando uns 30 mil, começando por FHC”.

Declara em 1999: “Ele merecia isso: pau de arara. Funciona. Eu sou favorável à tortura. Tu sabe disso”. Em 2008: “O erro da ditadura foi torturar e não matar”. 

Começa sua saraivada de ódio. “O filho começa a ficar assim meio gayzinho, leva um couro, ele muda o comportamento dele. Tá certo?”. Sobre um indígena que protestava: “Ele devia ir comer um capim ali fora para manter as suas origens”. “Não te estupro porque você não merece”, diz à deputada.

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Homenageia no Congresso coronel acusado de tortura. Candidato à Presidência em 2017, anuncia: “A atual Constituição garante a intervenção das Forças Armadas para a manutenção da lei e da ordem. Sou a favor, sim, de uma ditadura, de um regime de exceção, desde que este Congresso dê mais um passo rumo ao abismo”.

Nega a Constituição: “Somos um país cristão. Não existe essa historinha de Estado laico, não. O Estado é cristão. Vamos fazer o Brasil para as maiorias. As minorias têm que se curvar às maiorias”. 

“Conselho meu e eu faço: eu sonego tudo que for possível. Se puder, não pago porque o dinheiro vai pro ralo”, afirma sobre impostos. Em 2018, se autoincrimina novamente: “Como eu estava solteiro na época, esse dinheiro do auxílio-moradia eu usava para comer gente”.

Eleito presidente, fala a apoiadores que pediam intervenção militar e fechamento do Congresso e do STF durante protesto em Brasília. Declara, sem provas, que a eleição que ganhou foi fraudada. Segue a ordem institucional.

Diverge das recomendações de autoridades sanitárias em defesa do isolamento para conter a pandemia. Critica o uso da máscara, que faria mal, citando estudo não confiável. Incentiva uso de medicamentos de eficácia não comprovada. Segue a ordem institucional.

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Manda repórter da Folha calar a boca, diz que jornalista de O Globo tem “cara de homossexual terrível”, dissemina informações falsas sobre colunista do Estadão, ofende com conotações sexuais a jornalista Patrícia Campos Mello, usa informações falsas para fazer ataques a Miriam Leitão, que foi presa e torturada na ditadura, e informa ao presidente da OAB que sabe onde está o pai desaparecido político.

Proíbe divulgação de propaganda do Banco do Brasil que retratava a diversidade e exonera diretor de Comunicação e Marketing do banco. Quando o IBGE divulga dados que mostram aumento no desemprego, o presidente desacredita os dados e a metodologia. 

É exonerado o fiscal do Ibama que o multou em 2012 por pesca ilegal em área protegida. Exonera o diretor do Inpe por divulgar dados que apontam o aumento do desmatamento. Segue a ordem institucional.

Em três anos seguidos, determina que quartéis façam comemorações no aniversário do golpe de 1964, contrariando parecer do Ministério Público Federal: festejar um golpe de Estado é incompatível com a Constituição e com o Estado democrático de Direito.

Contrariando o artigo 5.º da Constituição, o de liberdade de expressão, pede à Ancine um “filtro” às produções de cinema. Pede a empresários que não anunciem em veículos que fazem cobertura crítica de seu governo e muda a lógica de distribuição de verbas publicitárias para TVs abertas. Segue a ordem institucional.

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Em junho de 2020, diz em reunião ministerial: “Todo mundo quer fazer cumprir o artigo 142 da Constituição. E, havendo necessidade, qualquer dos Poderes pode, né? Pedir às Forças Armadas que intervenham para restabelecer a ordem no Brasil”.

Ao longo de quase um ano, Bolsonaro usou termos como “gripezinha”, disse que não morreriam nem 800 pessoas por covid-19, chamou o Brasil de “país de maricas”. “Chega de frescura, de mimimi”, declarou, quando o País contabilizava mais de 250 mil mortes por covid. 

Ministro da Justiça pede demissão depois que presidente interfere na Polícia Federal. Troca ministro da Defesa e os três chefes das Forças Armadas por falta de comprometimento político com sua linha ideológica. Usa três vezes a expressão “o meu Exército”. Segue a ordem institucional.

A negligência do presidente pode ser enquadrada como “crime de responsabilidade”. Até quando a ordem institucional será considerada desordem? 

Aos que criaram essa variante política, que mata brasileiros e a democracia, da cepa do negacionismo e falta de decoro: precisa-se encontrar uma vacina para salvar o Brasil e nos livrarmos dele. 

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*É ESCRITOR E DRAMATURGO, AUTOR DE ‘FELIZ ANO VELHO’

Opinião por Marcelo Rubens Paiva
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