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Coluna do escritor e arquiteto Milton Hatoum sobre literatura e cidades

De volta às vidas secas 

Vivemos uma volta trágica às vidas secas, sem sonhos de emancipação e de dignidade

Por Milton Hatoum
Atualização:

É pertinente perguntar: qual foi a formação dos cadetes da AMAN na década de 1970? Quais livros de ciências humanas e literatura os jovens militares daquela época leram? 

Há algum tempo, o vice-presidente afirmou que a formação do atual chefe da nação não se completara, dando a entender que a dele, general Mourão, era exemplar. Será que se trata apenas uma formação incompleta? O vocabulário do presidente limita-se a duas dúzias palavras, com ênfase na chulice. Ele fala como se desferisse socos com a boca; parece desconhecer orações subordinadas e conectivos, mas sua incapacidade de expor uma ideia ou um argumento não resulta apenas disso. Pobres conectivos, que nada têm a ver com a linguagem chula nem com o caráter do presidente. 

Cena do filme 'Vidas Secas', de 1963. Fabiano (Átila Iório) e o soldado amarelo (Orlando Macedo). Foto: LC Barreto Produções/IMS).

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Pessoas sem escolaridade penam para associar ideias. Um dos símbolos literários mais poderosos da miséria e do analfabetismo brasileiro é o romance Vidas Secas, de Graciliano Ramos. Mas Fabiano, Vitória, seus filhos e até a cachorra Baleia são demasiado humanos. Lutam para sobreviver. Sonham com um futuro melhor para os filhos, e esse futuro passa pelo estudo. Nas últimas páginas, quando a família migra para a cidade, Fabiano e Vitória sonham com os filhos numa escola, onde vão aprender “coisas difíceis”. 

Esse governo tirou centenas de milhares de jovens e crianças da escola, e ainda teve o desplante de vetar a emenda parlamentar à LDO que prevê o reajuste de 34% ao Programa Nacional de Alimentação Escolar. Assim, neste ano da fome, destruiu a educação pública e aprofundou a insegurança alimentar de crianças e jovens, colocando em risco o futuro de gerações. É uma volta insidiosa e trágica às vidas secas, sem sonhos de emancipação e dignidade. Como disse o poeta: “o pó das demolições de tudo / que atravanca o disforme país futuro”.

Já se passaram quase quatro anos desse pesadelo. Será que o desfecho dessa noite longuíssima e atroz será um golpe? Talvez a ladainha golpista, abjeta e cansativa, não passe de blefe. Os rosnados autoritários e antidemocráticos do chefe de Estado e de seus adeptos extremistas não ameaçam as instituições brasileiras nem têm apoio popular. Além disso, a comunidade internacional não chancelaria uma quartelada num país que é infinitamente mais relevante do que seus atuais governantes: o pai e seus filhos - todos assombrosamente cruéis, mentirosos e ignorantes - e a súcia do Centrão. 

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Que sejam derrotados nas urnas, e depois julgados por seus crimes nos tribunais competentes. 

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