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Chitãozinho & Xororó: ‘Estão fazendo músicas muito comerciais, sem conteúdo. Não gostamos disso’

Dupla vai apresentar o show solo no Festival Turá, em junho, e depois, participar do Dia do Brasil no Rock in Rio

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Por Danilo Casaletti
Foto: Marcos Hermes
Entrevista comChitãozinho & XororóDupla sertaneja

Há quem diga que Evidências, música lançada por Chitãozinho & Xororó em 1990, é uma espécie de segundo hino nacional do País. Sendo assim, era difícil entender por que os irmãos – e a música sertaneja como um todo – ainda não tivessem chegado aos festivais da nova geração.

Questões de mercado à parte, essa barreira será quebrada em 29 de junho, quando a dupla será o headliner do primeiro dia do Festival Turá, que ocorrerá em São Paulo, no gramado do Parque Ibirapuera, local em que os irmãos que somam mais de 50 anos de carreira jamais se apresentaram.

No mesmo dia em que Chitão e Xororó se apresentam no Turá, sobem também ao palco, as bandas Fresno e Nação Zumbi, as cantoras Pabllo Vittar e Filipe Catto e os músicos e cantores Chico César e Zeca Baleiro, entre outras atrações. Um festival chamado de brasilidades.

Chitãozinho e Xororó completam 50 anos de carreira Foto: Marcos Hermes

“Sabe o que temos observado nesses anos todos? O público não muda muito. Lógico que tem aquela galera que vai lá só pra curtir a Fresno, que é fã de outro artista. Mas também vai ter uma galera que vai lá só para nos curtir”, diz Xororó, em entrevista ao Estadão.

Logo, devem se sentir em casa. Assim como estarão à vontade no Rock in Rio, em setembro, que pela primeira vez se abrirá a artista do sertanejo. Além da dupla, nomes como Luan Santana e Ana Castela foram anunciados.

“O fato do [cantor americano] Bruno Mars colocar Evidências no setlist dele [na apresentação do The Town, em 2023], por meio de seu tecladista, despertou a curiosidade dos produtores em colocar a música sertaneja lá no meio para ver o que vai acontecer”, diz Chitãozinho.

Na entrevista, a dupla, que prepara um disco de inéditas que será lançado daqui há três meses, fala também sobre a proximidade com a chamada MPB, o sertanejo pop e os desafios de se destacar em um cenário em que as músicas que alcançam o sucesso parecem cada vez mais efêmeras.

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Vocês já fizeram muitos festivais ao longo da carreira. Apresentaram-se em arenas, para grandes públicos. No entanto, é importante chegar a outro tipo de festivais, como o Turá, que representa uma nova geração de eventos dedicados ao que chamam de “brasilidades”?

Chitãozinho - É uma vitória para a música sertaneja, que sempre foi rotulada como interiorana, do pessoal mais simples. E hoje já não é mais assim. O sertanejo conquistou um público grande, especialmente entre a nova geração. Colocar a música sertaneja nesse patamar é um momento muito especial.

A música sertaneja está dentro da música brasileira desde sempre...

Chitãozinho – Claro! Mas nem em todos os lugares dão esse valor a ela. É a música popular, que o povo gosto de cantar, se emocionar, se divertir. Isso que é música brasileira.

Xororó – O Brasil é um País rural. As pessoas que estão nas grandes cidades têm origem no campo.

Há o desafio de se apresentar para um público que é bem diverso, que talvez não seja o mesmo de uma arena de rodeio, de um festival do circuito sertanejo, ou que foi a um show propriamente de vocês. Qual a impressão sobre isso?

Xororó - Sabe o que temos observado nesses anos todos? O público não muda muito. Lógico. que tem aquela galera que vai lá só pra curtir a Fresno, que é fã de outro artista. Mas também vai ter uma galera que vai lá só para nos curtir. Pessoas que, de repente, nunca nos viram tocar ao vivo. Essa que vai ser a grande diferença de cantar num festival desses. Vai ser uma mistura de um público nosso com o da música pop. Acredito que vai rolar super legal. O show vai ser do jeito que gostamos de fazer. Botar a galera para cantar, para participar.

A cobrança pela presença de artistas sertanejos em festivais ganhou força sobretudo depois do The Town, festival primo do Rock in Rio, que ocorreu em São Paulo no ano passado, cidade na qual o sertanejo tem mais entrada. E, agora, se concretizou...

Chitãozinho – O fato de o Bruno Mars incluir Evidências no setlist dele, por meio de seu tecladista, despertou a curiosidade dos produtores em colocar a música sertaneja lá no meio para ver o que vai acontecer.

Xororó – Eu estava lá [na apresentação de Mars no The Town]. Quando ele tocou Evidências e a câmera me focalizou, que eu apareci no telão, foi uma comoção total. Por aí, você tem uma ideia de que o público é misturado mesmo. Se não nos acompanha, ao menos conhece nosso repertório e, sobretudo, Evidências, que muitos consideram o segundo hino nacional do País.

Chitãozinho e Xororó em apresentação na cidade de São Paulo, em 1991. Eles haviam acabado de lançar 'Evidências' Foto: Fernando Sampaio/Estadão

Há uma entrevista muito interessante do Xororó em que ele conta que quando, em 1990, vocês foram estrear no Canecão [extinta casa de shows no Rio de Janeiro, conhecida por ser o berço da MPB], que a casa pegou fogo e, com isso, a apresentação foi adiada. Xororó afirma ter sido “um alívio”. Naquela época, havia o receio de enfrentar o publico do Rio de Janeiro?

Chitãozinho - Nós fomos os primeiros a fazer uma casa como o Canecão. E realmente havia uma preocupação muito grande da nossa parte. Depois que estreamos, foi uma coisa tão linda. O público que compareceu cantava nossas músicas antigas, e não apenas as que estavam nas paradas de sucesso. Daquele dia em diante, realmente passamos a nos sentir em casa para cantar no Rio de Janeiro. Como é até hoje. O nosso sucesso ajudou muito a quebrar barreira, a quebrar esse preconceito, entre aspas, que naquela época existia, muito mais por parte dos jornalistas e da mídia.

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Estamos dentro da história da MPB

Xororó

Ao longo dos anos, vocês se sentiram acolhidos, por exemplo, pelo grupo da chamada MPB, que durante muito tempo teve certa hegemonia dentro da música brasileira?

Chitãozinho - Muito. A vida toda. Teve uma época que apresentamos um programa na TV Globo [Amigos & Amigos, de 1995 a 1998] que nos deu muita experiência. Era um musical ao vivo. Tudo tocando ao vivo, com violão, banda. Nele, tivemos a oportunidade de tocar com muita gente da MPB. Inclusive, tivemos a honra de receber o Milton Nascimento. Mais tarde, fomos descobrir que ele também era nosso fã. E, finalmente, agora, lançamos um projeto juntos que nos dá um orgulho danado [Outros Cantos, de 2023]. Além do Milton, quase todos da MPB passaram por esse programa. Percebemos que eles sempre tiveram um carinho e um respeito muito grande pelo nosso trabalho.

Xororó - Nessa mesma época, fizemos um disco [Clássicos Sertanejos, de 1996] e gravamos com o Fagner, com a Simone...Lembro que estávamos em Belo Horizonte e encontramos com o Ney Matogrosso. Contamos sobre esse disco, dissemos que seria bem rural, bem sertanejo. O Ney falou: “Escuta, não tem uma faixinha para eu cantar com vocês, não?”. Isso mostra o carinho que eles sempre tiveram conosco. Estamos dentro da história da MPB.

É inegável a contribuição que vocês deram para a música sertaneja a partir dos anos 1980. Fizeram como que ela caminhasse no tempo, ou junto com ele. Foi difícil, naquele momento, colocar isso em prática?

Chitãozinho - Desde o começo da carreira, e gente começou muito cedo, em 1970, éramos muito jovens, sonhávamos em cantar uma música sertaneja com arranjos melhores e ter uma banda tocando música sertaneja pelo Brasil. Acreditamos nessa ideia desde o começo. A partir do momento que nós fomos conseguindo conquistar isso, a nossa carreira foi crescendo. Vivemos esses anos todos em busca de novidades, de coisas podemos trazer para o nosso segmento, mas mantendo essa originalidade das duas vozes, que é algo muito peculiar da música sertaneja brasileira. Isso quase não existe lá fora. A nossa característica é sempre fazer um dueto, uma terça, harmonia, vocalização. Mas a gente sempre quis ousar também. Pode perceber, até hoje continuamos a fazer isso. Foi o que nos proporcionou uma projeção no cenário da música brasileira.

Xororó - Outra coisa: sempre nos preocupamos muito com o nosso repertório. Cuidamos muito de cada música que cantamos. Nunca gravamos o autor, sempre a música. Primeiro tem que tocar nosso coração. E a preocupação sempre foi, além dos arranjos, oferecer para a música o que ela pede. Não cantamos música comercial, aquela que o refrão passa rápido. Fio de Cabelo, por exemplo, é de 1982 e nunca saiu do repertório. É uma guarânia, uma música típica mais sertaneja, mais paraguaia. Quando entra a introdução, a plateia já vibra e canta do começo ao fim conosco, desde 1982.

Como que vocês aliaram esse cuidado com a expectativa do mercado, que foi mudando ao longo do tempo?

Chitãozinho - Nunca ficamos dependentes do mercado. Sempre fomos mais dependentes do nosso sentimento e da nossa emoção. Se a música nos emocionar, se sentirmos que vai ficar bem na nossa voz, se vamos conseguir dar uma interpretação bacana, é o bastante. Nunca vamos para estúdio gravar uma música pensando que ela vai ser sucesso. O sucesso sempre tem sido uma consequência de um trabalho de muita dedicação, de muito amor e também de muito prazer em realizar.

A dupla Chitãozinho & Xororó prepara um novo disco Foto: Marcos Hermes

Vocês conquistaram ou impuseram essa prerrogativa?

Chitãozinho – Fizemos isso desde o começo. E tivemos a sorte de muita gente trazer boas músicas para nos apresentar. Quando gravamos Evidências [a composição é de José Augusto e Paulo Sérgio Valle], ela representava a modernidade que buscávamos naquele álbum. Já estávamos no estúdio fazendo o disco, mas precisávamos de uma canção mais pop. E Evidências apareceu.

Evidências é a grande sofrência do sertanejo?

Chitãozinho - É uma música que se reinventou a cada década. Ela se renovou com cada geração que foi chegando depois que a gente a lançou. Quando surgiu o karaokê, virou hit. Com a internet, teve uma consagração mais internacional. Era uma música predestinada a chegar onde chegou.

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Xororó - O que a gente buscava...Naquela época, Julio Iglesias fazia muito sucesso no Brasil e no mundo. Ele e Roberto Carlos tinham muito romantismo no repertório. Éramos apaixonados por eles; até hoje somos. Buscávamos uma música com essa pegada. Ou seja, tinha que ter uma melodia e uma letra bonitas. Evidências é uma música comprida, de mais de 4 minutos. Mas tem um arranjo, uma harmonia tão bonita, que vai levando a letra. A letra vai acontecendo. Qualquer show de rock, quando tem aquela aglomeração no Metro ou nos pontos de ônibus, as pessoas cantam Evidências. Não importa de que tribo elas sejam. Vira aquele coral gigantesco. Recebemos muitos vídeos com esses momentos.

Se a música for de qualidade, ela pode falar de bebida que vai entrar de uma forma tranquila no nosso repertório

Chitãozinho

Muitas músicas que atualmente fazem sucesso no sertanejo pop falam excessivamente de temas como bebedeira e traições. Algo que está estreitamente ligado ao mercado sertanejo. Vocês, por enquanto, passam um pouco longe dessas temáticas. Qual avaliação vocês fazem sobre esse cenário?

Chitãozinho - Não tem esse negócio de “não gravo música que fala de bebida”. Depende do jeito que você fala. Se a música for de qualidade, ela pode falar de bebida que vai entrar de uma forma tranquila no nosso repertório. Faz parte do dia-a-dia, da sofrência do ser humano. A questão não é a bebida. O que eu acho é que as pessoas estão fazendo músicas muito comerciais, sem conteúdo, para tocar dois, três meses, sobretudo nas plataformas digitais e redes sociais. E, em seguida, já substituem por outra. Não gostamos disso. Queremos sempre cantar músicas que possam permanecer no coração das pessoas por muitos anos.

Xororó - É isso aí. Nossa história está escancarada. As pessoas já entendem o tipo de música que fazemos.

Vocês conseguiram manter a qualidade vocal também, não?

Xororó – Eu, particularmente, por ter a voz bem aguda, me cuido muito. No nosso próximo disco, há três músicas inéditas que gravamos há 10 anos. Pegamos as mesmas vozes e colocamos novos arranjos, junto com as que gravamos agora. Não dá para perceber a diferença. Não mudou nada. Tem que preservar [a voz]. Nunca cantar acima do tom que você consegue. O público paga para nos ouvir cantar. No palco, sempre temos que entregar o que esperam de nós.

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