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Com 'Fidelio', Teatro Municipal de São Paulo abre ano lírico

Versão de concerto impede percepção mais ampla da obra

Foto do author João Luiz Sampaio
Por João Luiz Sampaio
Atualização:

O encenador Calixto Bieito escreveu certa vez que Fidelio, de Beethoven, é uma obra incompleta. Não que lhe falte um pedaço, mas porque, ao narrar a história de uma jovem que se traveste de homem para salvar seu amante, mantido prisioneiro, ela coloca questões sobre liberdade, justiça e igualdade que, fundamentais e universais, precisam ser respondidas à luz do momento em que a obra é encenada. Em outras palavras, Fidelio só se completaria por meio da interpretação que se dá a ela.

Bieito é um polêmico defensor da primazia da concepção do diretor perante o original. Mas seu julgamento parece, aqui, tocar em uma questão central da obra. Fidelio, que abriu na sexta, 7, a temporada lírica do Teatro Municipal de São Paulo, se encaixa na noção de teatro de ideias. Cada personagem, mais do que um ser humano de carne e osso, representa um conceito. Vem daí o caráter estático da ação, o que poderia sugerir que uma versão em concerto, sem cenários e figurinos, é capaz de melhor iluminar as questões colocadas pela obra, como proposto pelo Municipal.

Fidélio no Theatro Municipal de São Paulo Foto: Theatro Municipal de São Paulo

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Mas, talvez, aconteça justamente o contrário: afinal, uma ópera define-se não apenas pela relação entre texto e música, mas também pelas múltiplas sugestões teatrais que nascem desse diálogo tão especial - e que oferecem o olhar complementar e contemporâneo a que se refere Bieito. Seja como for, no espetáculo apresentado pelo Municipal, a questão da forma é importante. Primeiro porque, se faz sentido à luz do contexto de início de uma nova gestão e de necessária reorganização da casa, joga para o segundo semestre e as primeiras encenações a possibilidade de vislumbrar de fato os novos caminhos do Municipal no que diz respeito à sua vocação lírica. 

Além disso, interfere na própria interpretação. A presença do narrador, substituindo os diálogos, dá um caráter entrecortado à narrativa. O resultado é uma leitura musical, a cargo do maestro Roberto Minczuk, que não oferece um arco amplo e se apoia apenas em alguns momentos inspirados, como a introdução de violoncelos, violas e madeiras ao quarteto do Ato I ou a solenidade do coro dos prisioneiros.

Por tudo isso, o ponto alto da noite de estreia foi a atuação dos cantores. A começar pela Leonora/Fidelio da jovem soprano Marly Montoni, explorando habilmente os múltiplos coloridos de uma voz especial Ao seu lado, outros intérpretes seguros e maduros, como Caroline de Comi, Carlos Eduardo Marcos e Giovanni Tristacci. A decepção foi o Florestan de Ricardo Tamura, hesitante, e com problemas de afinação.

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