"Dwitza" é síntese de Ed Motta

O disco passeia de temas classicamente jazzísticos, com citações, menções, alusões, à bossa nova de banquinho e violão, com paladar de samba-canção

PUBLICIDADE

Por Agencia Estado
Atualização:

Ed Motta esperava lançar um disco como Dwitza - que acaba de ser lançado, pela Universal - desde 1994. Foi quando escapar das limitações comerciais do pop tornou-se urgente, para ele. Teve de esperar esses oito anos, entretanto. Por questões diversas - e sem necessariamente negar o que fez nesse meio tempo - Dwitza custou para chegar. Foi ruim? Foi bom? Foi uma coisa e outra. "Ruim porque demorou", diz o cantor, compositor, instrumentista, arranjador, designer, enólogo, gourmet - etc. "Ainda que chamar de tardia uma obra que demorou oito anos até se concretizar seja algo como a urgência do jovem, a última urgência do fim da juventude" - Ed está com 30 anos: "Sei que oito anos não são nada, mas para quem tem 30, é um tempão." Foi bom porque a encruzilhada estética em que se viu no início dos anos 90 teve os contornos amenizados. Até certo momento, ele detestava qualquer coisa que dissesse respeito à cultura brasileira. Depois de 93, ou 94, passou a só dar importância ao que dissesse respeito à cultura brasileira. Hoje pode equilibrar as duas coisas. Dwitza, o disco, faz esse equilíbrio - passeia de temas classicamente jazzísticos (e repletos de citações, menções, alusões que um conhecedor de jazz vai descobrir ao longo da audição) à bossa nova de banquinho e violão, com paladar de samba-canção (como observou, sobre a faixa Doce Ilusão, o compositor Edu Lobo, fã de Ed), dedicada, aliás, a Sueli Costa e a Dorival Caymmi. O espectro de referências abrange o sopro peculiar do saxofonsita soprano Yusef Lateef, um determinado tipo de ordenação de acordes praticado por Herbie Hancock, o swinging-london de Brian Auger, a alma de um chansonnier francês a afro-brasilidade de Moacir Santos - mentor espiritual do disco -, balada "soturna" à Charlie Parker, minimalismo de João Donato, trilhas de Henry Mancini e Enio Morricone, samba-jazz, e também Scriabin, Honneger - para ficar em alguns nomes, atmosferas, gêneros que o texto de apresentação menciona. O nome do disco, Dwitza, não significa nada: é uma junção de sílabas (pronuncia-se duítza) que soou bem aos ouvidos do músico. Não há faixa chamada Dwitza. Convém lembrar que, já no início da carreira, Ed usava aliterações que, eventualmente, lembravam o inglês - não se tratava de inglês. Eram sons que combinavam bem com o tipo de música que ele então fazia - bem, ele fazia música de forma a parecer um compositor norte-americano. Isso durou até 1993, quando Ed Motta foi para os Estados Unidos, para estudar piano. "Até então, eu detestava tudo o que fosse brasileiro", conta. "Detestava cerveja, praia, sol, mulata, farofa, futebol - eu nadava entre a soul music e o funk", prossegue. "Mas eu havia conhecido o Guinga, e pelo Guinga o Edu Lobo, o Chico Buarque, o Nelson Ângelo, e o Tom, o Radamés", diz ainda. Erudito - São esses nomes que fazem, diz ele, o namoro do erudito com o popular - os nomes do choro contemporâneo, que flerta com a música erudita (ou será, talvez, a possível verdadeira música erudita do Brasil). Seja como for, Guinga e a turma descoberta depois fizeram com que Ed se interessasse pelo erudito contemporâno. No fundo, ele reforçou, para a própria compreensão, o namoro do erudito com o popular - ia estudar harmonia funcional, mas passava bom tempo procurando em lojas americanas o elepê Almanaque, do Chico Buarque, os discos armorialistas de Vital Farias e Elomar, o suingue de Erlon Chaves, o samba "easy listening" bem como o bop de Vítor Assis Brasil, o trabalho de Hermeto. "Ou seja, cresceu o Brasil como interesse, a modernidade dessa música diversa. Eu estava louco para voltar. Antes, eu dizia que a minha influência de Brasil eram os meus defeitos", confessa. "Mas ouvi Bill Evans tocando Minha, de Francis Hime, e pensei que se o Bill Evans tocava Francis Hime, então Francis Hime deveria ser bom; ouvi o Urubu, do Tom, com arranjos do Claus Ogerman, e pensei que se o Ogerman dava bola para o Tom era porque o Tom era bom." E assim foi - até a radicalização pelo oposto. Ed Motta cantou Guinga, gravou com Aldir Blanc, compôs valsas. Nesses oito anos entre a vontade de gravar Dwitza e a efetiva gravação do disco, pôde atenuar as arestas. Continua implicando com o pop: "Mas quando digo que não farei mais pop, estou emitindo um conceito mais político do que estético", ressalva. O pop é o indigente, o feito para o mercado, o fácil, o de consumo. Isso ele não quer. Por outro lado, não briga mais com o rock: pelo piano de poucos acordes de João Donato, conseguiu fazer as pazes com o rock de três acordes. O mundo musical ouvido no novo disco de Ed Motta tenta explicar isso. É difícil? Consegue. Em fevereiro, o disco sai na Inglaterra, em CD e em vinil, mas num vinil checo, especial, que soa muito melhor, segundo ele, do que essa "pastilha asséptica" chamada compact disc. Aqui, parte da tiragem sai com capa do tamanho da do vinil.

Comentários

Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.