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Em ‘Fossora’, Björk é uma filha, uma mãe e um universo

Álbum continua projeto de vida da compositora em vincular a experiência pessoal a processos naturais e cósmicos maiores

Por Jon Pareles
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THE NEW YORK TIMES - Não tem como negar: Fossora, o 10º álbum de estúdio de Björk, pode ser pesado, espinhoso e intenso. Mas o esforço vale a pena.

Fossora continua o projeto de vida da compositora, produtora e visionária multimídia de vincular a experiência pessoal a processos naturais e cósmicos maiores – para se colocar no universo e colocar o universo dentro dela. Ele chega cinco anos depois de Utopia, um álbum decididamente arejado com sons de pássaros e flautas. Utopia foi um rebote deliberado que desafia a seriedade e contrasta com seu álbum ferido, triste e saturado de cordas de 2015, Vulnicura, e Fossora é mais uma mudança autoconsciente fundamental de direção.

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Fossora, derivado do latim para “escavador”, valoriza a mundanidade: a fisicalidade carnal da vida e da morte, prazer e sofrimento, amor romântico e parental. Para fundamentar a música, as novas faixas de Björk geralmente apresentam instrumentos de baixo registro, como clarinetes baixos e trombones (embora as flautas também reapareçam).

A produção e os arranjos de Björk em Fossora a apresentam em sua forma mais assumidamente obscura: mais próxima da música de câmara contemporânea do que da música pop, rock ou dance. Suas melodias, como sempre, são ousadas e declarativas, e trazem paixão e suspense. Mas em Fossora, Björk não necessariamente centraliza essas melodias em refrões que poderiam ter. E embora ela colabore em algumas faixas com os produtores eletrônicos indonésios Gabber Modus Operandi, ela não está buscando batidas de pista de dança.

Em suas novas músicas, os tempos costumam flutuar organicamente, como a respiração. E mais do que nunca, Björk coloca sua voz dentro de um ecossistema musical fervilhante que provavelmente incluirá um emaranhado de polifonia instrumental e camadas vocais, com todos os elementos da mistura insistindo na multiplicidade.

As músicas de Fossora abrangem luto, autoavaliação, conexão e renovação duramente conquistadas. “Os obstáculos estão apenas nos ensinando / Para que possamos nos fundir ainda mais”, Björk declara em Ovule, uma consideração imponente, com o peso do trombone, sobre união pessoal e digital.

Durante grande parte do álbum, Björk, 56, contempla a morte de sua mãe, Hildur Rúna Hauksdóttir, em 2018, e seus próprios papéis geracionais como criança e mãe. (Os filhos de Björk, Sindri e Isadora, aparecem entre os backing vocals do álbum.) Em Sorrowful Soil, Björk convoca coros antifônicos sobrepostos para uma consideração prismática, mas friamente científica, da maternidade: “Na vida de uma mulher, ela recebe 400 óvulos, mas apenas dois ou três ninhos.” Depois há Ancestress, com gongos parecidos com o gamelão e um conjunto de cordas sombreando as linhas vocais de Björk enquanto ela relembra momentos da vida e da morte de sua mãe: “A máquina dela respirou a noite toda enquanto ela descansava / e depois não mais”.

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Mas o álbum também reconhece forças vitais obstinadas e essenciais: amor, esperança e – como um análogo biológico – o crescimento de fungos subterrâneos. Os gráficos do álbum e o vídeo de sua música de abertura, “Atopos” (do grego “fora do lugar” ou “incomum”), estão cheios de imagens de cogumelos, e a música-título de Fossora – uma improvável fusão de sopros neoclássicos semelhantes a Stravinsky, vocais ricocheteando e batidas eletrônicas esporádicas e depois brutais – orgulha-se: “Por milhões de anos temos ejetado nossos esporos”. Em uma música intitulada Fungal City, em meio a contramelodias de clarinete e sequências de pizzicato, Björk exulta um novo romance, cantando: “Seu otimismo vibrante também é minha fé”.

Esse otimismo não é de forma alguma ingênuo. Em Victimhood, as sonoridades mais sombrias do álbum – seis clarinetes baixos sopram e rosnam seus tons mais baixos em uma batida impassível – acompanham e quase engolem os vocais de Björk enquanto ela luta com expectativas frustradas e anseia por perspectiva: “Eu levei uma pelo time / Eu me sacrifiquei para nos proteger”, ela canta. Mas ela está tentando “atender a um chamado para sair da vitimização”, e ela o encontra quando a música termina. Em seguida, flautas comemorativas a saúdam em Allow, um hino ao nutrir enquanto cura: “Permitir, permitir, permitir que você cresça”, ela canta. “Permita-me crescer.”

Björk durante show na França em 26 de agosto de 2007. Guillaume BAPTISTE / AFP Foto: GUILLAUME BAPTISTE

O álbum termina com Her Mother’s House, uma quase canção de ninar abstrata que imagina os quartos das crianças como câmaras do coração de uma mãe. Ela entrelaça as vozes de Björk e sua filha, cantando: “Quanto mais eu te amo, melhor você sobreviverá”. Elas encontram um propósito evolutivo em um vínculo emocional.

Fossora não pretende agradar ao grande público. É difícil imaginar esses fantasmas de estúdio no palco (embora Björk possa muito bem encontrar uma maneira). Mas os mundos interiores de Björk são vastos. /TRADUÇÃO LÍVIA BUELONI GONÇALVES

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