Um dos projetos autônomos que se juntaram ao 7.º Mercado Cultural é o Terreiro Circular, do grupo Lampirônicos. Com o propósito de reunir diversas tribos, como a do reggae, do rock e do hip-hop, músicos, DJs, artistas plásticos, videomakers, o projeto multimídia que já tem mais de um ano, tem se tornado uma bandeira de resistência da produção cultural independente da Bahia. As rádios, onde ainda reina o famigerado jabá, já não estão nos planos dos grupos que não fazem música comercial. "A internet hoje também viabiliza a divulgação de várias formas. O grande lance hoje é a banda gravar CD independente, criar um segmento e vender os CDs nos shows", diz Vince de Mira, vocalista dos Lampirônicos. Apesar da maior visibilidade fora da Bahia e do esquema mafioso de domínio de espaço, a (decadente) axé music já não sufoca tanto a produção independente. "Hoje esses grupos tocam mais em São Paulo do que aqui, porque os baianos não vão muito mais atrás. O axé está terminando por ficar no lugar onde devia estar: no carnaval", diz Vince. "Existe uma diversidade grande de música que consegue girar dentro da Bahia, porque já circula mais dinheiro. Não é preciso sair tanto daqui para mostrar a produção, ao contrário do que acontece em Pernambuco." Os bons resultados do Terreiro Circular, podem servir de exemplo. No espaço Zauber Multicultura, um espaço inusitado ao pé da Ladeira da Misericórdia, no centro de Salvador, nas duas noites integradas ao Mercado os Lampirônicos receberam o grupo de hip-hop La Caution (Tunísia/França), a cantora baiana Mariella Santiago, e o compositor, rabequeiro e cantor pernambucano Siba, um dos fundadores do grupo Mestre Ambrósio, entre outros. Em fase de produção do terceiro CD, os Lampirônicos (que tocam na quinta no Sesc Pompéia, dentro da 3.ª Bienal do projeto Prata da Casa) também abriram espaço para a música indiana, dando uma pausa na noite dançante com a tabla de Ananda Jyoti (Índia) e a cítara de André Luis Oliveira (Bahia). Exuberante em seu invólucro de material plástico, Mariella arrebatou o público com seu misto de reggae, eletrônica, pop-rock e influências do candomblé. Combinando e alternando sonoridades de banjo, teclados, bateria, programações e cuíca, a cantora mostrou a que veio em vigorosas interpretações de canções novas e clássicos, como Jeca Total, Babá Alapalá (ambas de Gilberto Gil), Nine Out of Ten (Caetano Veloso) e um todo quebrado Canto de Ossanha (Baden Powell/Vinicius de Moraes). O momento mais marcante foi quando interpretou Macuxi muita Onda/Eu Sou Negão, antológico tema carnavalesco de Gerônimo, que retrata com precisão o eterno conflito entre os precários blocos afros e os poderosos trios elétricos no meio da avenida. De volta ao palco já na alta madrugada, ela repetiu a dose no show dos Lampirônicos, em versão xote-rock, mais pauleira, da música. O grupo baiano mostrou seu cacife unindo percussão, rock e guitarra baiana, em canções de seu próximo trabalho, como O Dia Que me Espere, e de seus dois primeiros CDs. No final, botou fogo na pista com Imunização Racional (Que Beleza), de Tim Maia, enxertando citações de outros clássicos brasileiros das pistas como Take It Easy, My Brother Charles (Jorge Ben) e A Cidade (Chico Science & Nação Zumbi). Apesar da barreira da língua, os rappers do La Caution deram seu recado em bom francês e bases sonoras que não deixaram ninguém parado. No início de sua breve, mas consistente apresentação, houve natural estranhamento, até porque a levada rítmica parecia demasiado lenta para os quadris baianos. Com carisma, bons temas e um pouco mais acelerado, o show engrenou. No sábado, Os Lampirônicos receberam a O.N.G. (Orquestra Nordestina de Groove) e Siba, que tocou com eles o tema-título do terceiro CD, América Expressa, e fundiram rabeca com guitarra baiana. Lampirônicos. Sesc Pompéia, Choperia (800 pessoas). Rua Clélia, 93, tel. 3871-7700. Amanhã, 21 h. Grátis
Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.