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Lei que autoriza mais barulho em shows vira polêmica em SP

Nova norma paulistana, que leva o limite a até 75 decibéis, provoca queixas e críticas; para promotores, medição do volume é malfeita

Por Danilo Casaletti
Atualização:

Há um ruído entre os promotores de shows e festivais de música e o poder público da cidade de São Paulo. Qual o limite para o barulho gerado pelas apresentações musicais dos locais e arenas abertas? Cada vez mais frequentes, esses shows ao ar livre atraem grande público – e ganharam força no pós-pandemia, escoando uma demanda que estava reprimida.

Show do cantor Roger Waters, no Allianz Parque, em 2018  Foto: CAMILA CARA

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Parte interessada nessa discussão, os moradores da cidade, ao que indicam os números, passaram a tolerar cada vez menos ruídos – os sonoros. De acordo com a Prefeitura paulistana, as reclamações dobraram nos últimos dois anos. No ano passado, até setembro foram 13.547.

Recentemente, uma votação na Câmara Municipal alterou o limite dos atuais 55 decibéis para 85 em shows e grandes eventos. O prefeito Ricardo Nunes sancionou a lei, mas com tolerância de até 75 decibéis. Para a Organização Mundial de Saúde, o tolerável ao ouvido humano são 65 decibéis. Além disso, há o risco de doenças, estresse e, em casos mais graves, perda auditiva.

Dias depois, acatando um pedido da bancada do PSOL, a Justiça de São Paulo suspendeu a mudança. A alegação dos vereadores do partido é a de que o artigo não guarda pertinência temática com o objeto da proposta original – ele fora votado dentro de uma lei que regulamenta o funcionamento das dark kitchens.

ALINHADOS. Os limites da lei atual estão alinhados com os praticados em outros países. Em Nova York, as músicas de bares e restaurantes não podem chegar a mais de 42 decibéis dentro de residências próximas. Em Portugal, uma norma nacional recomenda que eles fiquem entre 55 e 65 decibéis. Na Argentina, o limite noturno é de 45. Por aqui, os promotores de shows ouvidos pelo Estadão consideram o atual limite, de 55 decibéis, das 19h às 22h, impraticável.

Plateia do show de Sandy & Junior, no Allianz Parque Foto: DANIEL TEIXEIRA

“A cidade precisa decidir o que quer. São Paulo está no grande calendário global de shows e tem uma lei obsoleta. A questão não é permitir barulho madrugada adentro, mas é preciso bom senso em horários razoáveis”, pondera Anna Luiza Fonseca, CEO da Íntheggra, consultora de Relações Institucionais e Governamentais.

Anna Luiza chama atenção para um mercado aquecido para 2023. O The Town, promovido pela mesma empresa do Rock in Rio, promete ser tão grandioso quanto o festival carioca. O espanhol Primavera Sound, estreante por aqui em 2022, já confirmou a segunda edição em 2024. O Lollapalooza Brasil trará nomes como Drake, Billie Eilish e Rosalía. Fora dos festivais, haverá shows das bandas Coldplay, Paramore, Backstreet Boys e Titãs, entre outras.

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“Esses eventos trazem visibilidade e movimentam a economia da cidade. São Paulo corre risco de perder esses eventos para cidades vizinhas, como São Caetano, São Bernardo e até Campinas”, analisa Anna Luiza. Segundo dados da São Paulo Turismo (SPTuris), a edição de 2002 do Lollapalooza movimentou aproximadamente R$ 687 milhões.

FARRAIAL. Um fato emblemático sobre ruídos ocorreu em agosto de 2022, durante o Farraial, na Arena Anhembi. A cantora Ludmilla, que abriria o show, deixou o palco alegando problemas técnicos. Os empresários Juliano Libman e Luiz Restiffe, da Agência InHaus, alegam que a lei sobre ruído prejudicou o programa. O grave, característico da batida do funk, ficou dentro dos 65 decibéis. A artista não gostou.

“Essa lei sempre existiu, mas não era aplicada. Quando começou a valer, todo mundo entendeu que é impossível cumpri-la. O limite em 55 ou 65 decibéis é muito baixo, você não consegue realizar um show”, diz Restiffe.

O festival teve de ser realizado entre a tarde e a noite, já que o Anhembi, multado antes por outros eventos, teve de assinar um Termo de Ajuste de Conduta (TAC) para continuar funcionando.

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Libman afirma que a In Haus contratou uma empresa que fez medições antes e durante o evento. “É importante que a Prefeitura faça a aferição correta, na casa do reclamante. Não colocar o aparelho no muro do Anhembi, lá ele vai bater 75 decibéis”, diz ele.

OBSOLETO. Os promotores alegam que o ruído habitual da cidade, como carros, caminhões e helicópteros, entra na conta da medição – e que a Prefeitura utiliza equipamentos obsoletos para medir o barulho.

A assessoria de imprensa da Prefeitura argumentou à reportagem, em nota, que não é possível separar, durante a fiscalização do Psiu (Programa Silêncio Urbano), com alta precisão, ruídos específicos como o de helicópteros, do som captado no evento e que isso está previsto na Norma Brasileira (NBR) 10.151/19.

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Mesmo com os cuidados dos organizadores, o Anhembi foi multado pelo Farraial. Por ter sido a terceira multa, ele atualmente funciona por meio de uma liminar obtida na Justiça. O Distrito Anhembi, concedido à GL Events, disse, por meio de nota, que cumprirá todas as decisões sobre os eventos na cidade.

A empresa também diz que contratou o Instituto de Pesquisas Tecnológicas (IPT) para desenvolver um estudo de impacto sonoro, que estará pronto ainda neste semestre.

A arena do Allianz Parque, com capacidade para 45 mil pessoas, assim como o Anhembi, acumulou três multas e funciona à custa de uma liminar. O local é considerado o mais delicado entre os produtores.

O estádio, casa do Palmeiras, operado pela Real Arenas, abrigou há pouco três apresentações do cantor e ator britânico Harry Styles; o projeto Histórias – O Show do Século, com os sertanejos Chitãozinho e Xororó, Zezé Di Camargo e Luciano, Bruno e Marrone, entre outros; e o Buteco, comandado por Gusttavo Lima.

Por meio de nota, a empresa diz que está preparada para cumprir rigorosamente a legislação. Afirma ter compromisso com a comunidade com um programa ativo de atendimento aos moradores do entorno do estádio. Segundo a Real Arenas, todas as ações para minimizar o incômodo sonoro são acompanhadas e recomendadas pelo IPT. l

Shows a céu aberto se expandem também na região do Ibirapuera

Privatização da área permite à nova gestora promover eventos, mas, mesmo cumprindo a lei, o incômodo continua

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Outro espaço que passou a receber shows a céu aberto neste ano foi a parte externa do Auditório Ibirapuera, explorado pela Urbia Parques, concessionária do Parque do Ibirapuera. Durante a Copa do Mundo do Catar, a iFood Arena Brasileira promoveu ali apresentações de Marisa Monte, Seu Jorge, Anitta e Marcelo D2, entre outros, para um público diário de 15 mil pessoas. Para o Estadão, a Urbia, em nota, disse que os eventos “ocorrem em locais, horários e capacidades especificados no Plano Diretor e no Contrato de Concessão”.

Mas o incômodo desses eventos não deixará de ser problema, mesmo que os limites atuais sejam mantidos, diz o pesquisador do IPT Marcelo de Mello Aquilino. “O ruído se propaga em todas as direções. As edificações próximas funcionam como barreiras, mas quem está mais distante conseguirá ouvi-lo.” Como possíveis saídas, Aquilino sugere posicionar as fontes de ruído de forma que elas mitiguem a propagação. E é possível aumentar o número de caixas de som, para que possam operar em potências menores. A forma mais radical seria, literalmente, abaixar o volume.

PREJUDICIAL. Para Aquilino, a proposta aprovada pela Câmara, que vai a 75 ou 85 decibéis, é prejudicial à saúde. “Sou totalmente contra. A cada 10 decibéis que se sobe no volume do ruído, a sensação é a de que ele dobrou. De 55 para 75, então, ela quadruplica.” l D.C.

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