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Louis Armstrong: 100 anos do gênio que mudou o jazz

4 de agosto de 1901 é a data mais aceita hoje como a do nascimento de Satchmo, o trumpetista que revolucionou a música do século 20, inventando uma nova maneira de tocar e criando a figura do solista

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Por Agencia Estado
Atualização:

Ele forjou sua data de nascimento, 4 de julho de 1900, citando-a numa autobiografia. Louis Armstrong só seguiu o costume de muitos americanos seus contemporâneos, ainda mais quando analfabetos e pobres, que escolheram a festa da Independência dos EUA como dia do seu aniversário. Mas o biógrafo Louis Chilton provou que o exato seria 4 de agosto de 1901 e que Louis mudou porque gostava da idéia de coincidir sua festa com o feriado. Outros biógrafos puseram em dúvida não o dia, mas o ano, que seria 1898. Na verdade, festejar Louis Armstrong não deve ficar nos limites de um aniversário. Deve-se atentar para sua arte como músico e cantor de jazz, o fato dele ter inventado o solista jazzístico e de tocar seu trumpete com um estilo tão pessoal e sublime que até hoje os músicos cultuam seu virtuosismo. Louis Armstrong parecia atingir seu nível único por mágica. E parece magia mesmo se pensarmos nos seus começos. Neto de escravos, filho de um operário e de uma doméstica que costumava melhorar a renda com ocasionais viradas de bolsinha. Em Storyville, o bairro pobre e boêmio de Nova Orleans onde Louis nasceu, prostituição era quase um jeito normal de ganhar a vida. Ele foi criado realmente pela avó paterna, Josephine, e só foi morar com a mãe quando já estava na escola. Era uma vida dura, emocional e fisicamente. De um lado, os vários "padrastos" trazidos por Mayann, do outro, pobreza total. Aí, no dia de Ano Novo, em 1913, o destino interveio. Armstrong pegou um revólver 38 do padrasto de então, foi para a rua e deu uns tiros. Um guarda viu, prendeu-o e ele foi mandado pelo juiz para uma espécie de reformatório, o Colored Waifs´ Home. Ali havia uma banda de metais e um grupo coral. Armstrong entrou para o coro, depois foi para a banda do professor, Peter Davis. Davis gostava muito de Louis e logo o tornou o corneteiro da instituição. Depois lhe ensinou a tocar cornet, que tem a mesma embocadura que a corneta, finalmente colocou-o como líder da banda. A estada de Armstrong no Waifs´ Home foi uma benção e ele gostava dali. Acabou saindo aos 16 anos. Tocava cada vez melhor e formou seu primeiro conjunto com outros rapazes para tocar em festas. Instintivo conhecedor do que era bom, começou a freqüentar o cabaré onde tocava a banda de Kid Ory, que tinha Joe Oliver tocando cornet. Oliver simpatizou com Louis e lhe ensinou alguns macetes. Mas Armstrong foi seu próprio professor quanto a estilo: o de Oliver era totalmente oposto. O que Oliver tinha de contido, Louis tinha de extrovertido. O mais importante que Oliver fez foi recomendar Louis como seu substituto na banda de Ory quando foi para Chicago em 1918. A banda de Ory era a melhor de Nova Orleans, o que fez de Louis, aos 18 anos, ser o principal músico do lugar quando se falava de cornet. Era um mundo maravilhoso para o jovem tocador de cornet. Ser o segundo na banda de King Oliver era estar no topo do mundo. No começo de 1924, Louis se casou com a pianista de Oliver, Lílian Hardin. Lil era competente e ambiciosa. Logo convenceu o marido a deixar Oliver para ir tocar no Dreamland Café e pouco depois, para entrar na orquestra de Fletcher Henderson. Seus primeiros discos antológicos são dessa época, quando gravou 60 músicas com o que ficou conhecido como os Hot Five e os Hot Seven. O público de jazz delirou com eles e o jazz nunca mais foi o mesmo. E Armstrong tocou o cornet pelo trumpete. Armstrong disse que começou a usar o trumpete porque o som era melhor para os grandes teatros e porque era melhor como acessório de shows: a aparência física do trumpete era maior e mais espetaculosa. Em 1929, Louis trocou Chicago por Nova York e se fixou como solista diante de uma grande banda por 17 anos. Era o líder de uma nova forma de arte, tão reconhecida nos Estados Unidos quanto fora, que atravessou, por exemplo, os anos da Depressão sem ser tocada por eles. Mas nem tudo ia tão bem. Seu casamento com Lil desmoronou quando ele foi para Nova York e ele teve um período conturbado, incluindo uma breve união no começo dos anos 30, antes de finalmente se casar com Lucille Wilson, uma corista do Cotton Club que lhe deu uma notável estabilidade emocional pelo resto da vida. Então, em 1933, cansado e decepcionado, fez uma longa visita à Europa, onde foi incensado como o rei do jazz. Conseguiu mais do que isso, um bom empresário, chamado Joe Glaser. Foi então que Louis gravou muito, apareceu em dúzias de filmes e ficou rico. Quando o swing saiu de moda e acabaram as big bands, Louis mudou para um formato que era um retorno aos velhos tempos: grupos pequenos em que ele fazia solos e cantava, cada vez mais. Afinal, lá por 1950, ele já tinha dito tudo com seu trumpete. Continuou a fazer shows sem parar até sua morte, em 6 de julho de 1971. O que fez de Louis Armstrong o mais famoso músico de jazz de todos os tempos? Primeiro, seu modo de tocar. Caloroso, cheio, vigoroso, até mesmo em gravações jurássicas feitas de modo precário. Você ouve Armstrong e sabe que é ele quem está tocando. Tem uma marca registrada como o piano de Count Basie ou o sax de Charlie Parker. Quando se tornou mais um astro do que um músico de jazz, é preciso lembrar que Louis era um showman de primeira. O público gritava em coro: " Satchmo!" (seu apelido, uma corruptela de satchelmouth, algo como boca de cartucheira) e ele vinha, com o lenço na mão, trumpete na outra e um sorriso contagiante. Na época do cool jazz, em que os músicos pareciam estar sempre tocando lá pelas cinco da manhã, ele era um pilar do alto astral, brincando com o público e seus músicos, improvisando a mais não poder, fazendo todo mundo dançar ou pelo menos bater o pé ao ritmo de seu grupo. Os especialistas colocam seu auge nos anos 30 e 40. Seus detratores dizem que ele acabou depois disso, quando partiu para formas mais comerciais. Essa opção pelo comercial fazia os jovens ativistas dos anos 50 e 60 dizerem que Armstrong era um traidor de sua raça, um boneco de piche que ficava agradando os brancos. Ele se recusava a falar sobre preconceito e segregação, numa época em que esse era o tema central dos negros americanos. Mas é preciso lembrar que ele era produto de um meio miserável em que os negros dependiam dos brancos para escapar do seu gueto, se é que isso serve como atenuante. Mas o importante é ver o que Louis Armstrong fez. Revolucionou a história do jazz, transformou-o de uma música coletiva em arte de solistas. Influenciou praticamente todo grande músico do gênero e tocou e divertiu gerações. Nada mau para um garoto de Storyville, não? Se houve um gênio - com todas as letras - do jazz, foi ele.

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