Maior exposição sobre Bowie, vista por milhares em Londres, agora no MIS

Mostra explora os 50 anos de carreira do camaleão do rock

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Por Jotabê Medeiros
Atualização:

Ou seja: aos 67 anos, 50 de carreira, David Robert Jones, o David Bowie, engendrou em seu trabalho e em sua vida a arte visual contemporânea, o teatro, a poesia, a mímica, o absurdo, a provocação, o cabaré, o minimalismo, a filosofia, a moda, as teorias da comunicação, a revolução sexual. Tem sido um dos maiores inimigos do provincianismo, com sua postura de cidadão do mundo. Mesmo seu silêncio, como o de Marcel Duchamp, foi recheado de eloquência – o período de 10 anos em que ficou sem lançar discos, até The Next Day, no ano passado, foi um período de embates e debates.

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Essa abrangência de sua visão está representada na exposição, que reúne cerca de 300 itens de sua carreira: repertórios de shows (set lists), letras de músicas, manuscritos, instrumentos e desenhos, 47 figurinos de suas diferentes personas, trechos de filmes e shows ao vivo, videoclipes, fotografias.

Segundo a direção do MIS, entre os figurinos que compõem a mostra, estão peças do álbum Aladdin Sane (1973), como o macacão assimétrico feito de vinil (Tokyo Pop) assinado por Kansai Yamamoto e a bota plataforma vermelha, ambos usados na turnê do álbum em 1973; o terno azul claro usado na gravação do promo feito para Life on Mars? e um conjunto de calça e jaqueta multicoloridos, de Freddie Burretti, feito para a turnê Ziggy Stardust and The Spiders from Mars. “Com efeito, Bowie talvez seja o músico mais citado na história da moda”, disse Mark O’Flaherty, do Financial Times.

Uma das preciosidades, segundo a curadoria, é uma inédita foto promocional feita para a banda The Kon-rads, primeira formação de que ele fez parte com apenas 16 anos. Dessa banda fazia parte seu amigo George Underwood, cuja contribuição para o futuro de Bowie foi fundamental: foi ele quem o esmurrou no olho em 1961, por causa de uma garota, Carol Goldsmith, e o deixou com cada olho de uma cor.

“Ele tem uma visão dupla. Para mim, é o símbolo do grande artista. Artistas veem o mundo físico e o espiritual. São oraculares. Frequentemente, nas lendas, artistas têm um defeito físico. Homero era cego, outros eram mancos. Aquele olho deteriorado é sinal do dom especial do Bowie, a parte alucinante de sua imaginação”, disse a escritora Camille Paglia.

Outra exclusividade da mostra brasileira é uma colagem feita por Bowie a partir de stills do vídeo de The Man Who Fell to Earth. Há ainda outra imagem dele com o escritor William Burroughs, fotografados por Terry O’Neill, e colorida manualmente pelo cantor.

Mas a essência é a música, daí a viagem musical que a exposição possibilita, organizando esse mergulho na espantosa Casa de Espelhos do artista, que lançou seu primeiro single, Space Oddity, em 1969, e desde então está por trás desde as noções de glamour rock até a de rock yuppie, nos anos 1980. “A visão distópica que Bowie comunicava em 1976, com sua música, suas atuações e seus figurinos, teve imensa influência no movimento punk”, observou o jornalista Tim Blanks.

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“Um vigoroso espírito inovador foi promovido, a partir de 1945, por artistas como Bowie, que canalizaram a vanguarda para o mainstream popular sem comprometer sua força subversiva e libertadora”, disseram os curadores Victoria Broackes e Geoffrey Marsh. E com a marca de um businessman bem-sucedido, curador de si mesmo que vendeu mais de 140 milhões de discos em sua trajetória.

Nascido na Stansfield Road, em Brixton, Londres, às 9 h da manhã do dia 8 de janeiro de 1947, David Bowie é um corpo estranho no mundo do pop. “A parteira me falou: essa criança já esteve na Terra antes”, revelou a mãe de Bowie, Margareth Mary Burns, em uma entrevista. Esse é o mundo original de Bowie, contra o qual ele engendrou sua primeira revolução. “Antes do disco Young Americans, de 1975, sua carreira se baseava numa profunda reação pessoal contra a Inglaterra e, especificamente, contra os valores dos subúrbios de Londres.” Depois disso, virou cidadão do planeta.

Controle terrestre para o leitor: tome suas pílulas de proteína e vá ao MIS. O camaleão merece a visita.

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Sintetizador Da marca EMS Synthi AKS, foi comprado em 1974 por Brian Eno e usado na gravação de Heroes, de 1977. Eno apresentou a Bowie alguns compositores de vanguarda que trabalhavam com a noção de acaso na música, o aleatório, e o artista vinha da experiência no filme O Homem Que Caiu na Terra, de Nicolas Roeg, no qual ele interpretava um alienígena humanoide. David Bowie passaria a viver um período de aproximação com a eletrônica alemã, mas sua abordagem diferia da de Kraftwerk e Neu!. Os três discos produzidos nesse período, Low, Heroes e Lodger, são considerados o período “alemão” do músico. Ele tentava, na ocasião, livrar-se do vício em cocaína.

Cartazes A mostra traz o cartaz da banda The Kon-Rads, que Bowie formou aos 16 anos. Apesar de precoce e da aparência rockabilly, tinha um grande apreço por jazz, adorava Jimmy Smith e Wes Montgomery e adquiriu um saxofone por influência de Gerry Mulligan, que trabalhou com Miles Davis nos anos 1940. Foi um colega de banda, George, que lhe desferiu o golpe que mudou a cor do seu olho.

DAVID BOWIEMIS. Avenida Europa, 158, Jd. Europa, 2117-4777. 3ª a 6ª, das 12 h às 20 h (sáb., das 10 h às 21 h; dom. e feriados, das 11 h às 20 h). Ingressos: R$ 10 (3ª, grátis). Até 20/4. Abertura sexta, 31, para público – www.mis-sp.org.br

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DAVID BOWIEAutores: Vários. Editora: Cosac Naify (320 págs., R$ 119,90)

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