Matisyahu: 'O que acontece quando os judeus se juntam ao rap? Os livros não contaram'

Ao lançar seu sétimo álbum, o rapper de origens judaicas fala ao Estadão de sua transformação visual, do 'judeu imaginário' na cultura pop e cita Drake: "Ele é meio-judeu e tem conseguido criar basicamente o seu próprio gênero musical"

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Por Julio Maria
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Um rapper judeu ortodoxo parecia trazer confluências aceitáveis demais para que aquilo durasse muito tempo quando o jovem Matthew Paul Miller, da Pensilvânia, apareceu sob o pseudônimo de Matisyahu. E assim foi. Matisyahu, o improvavél, seguia fiel às crenças do judaísmo enquanto empunhava microfones tentando não trair muitos preceitos sagrados em festivais pelo mundo. Sua vida no rap dava tão certo quanto seus estudos, até que a vida trouxe outras revelações.

Matisyahu em shou no Rototom Sunsplash festival, de2015 Foto: Heino Kalis / Reuters

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Matisyahu tem hoje 42 anos e não usa mais os cachos peiot, o quipá nem nada que lembre das origens judaicas. Segue falando com paixão e cantando com alguma indignação ainda que sem os messianismos que o rap alimenta para fortalecer seu discurso. Seu sétimo álbum, número cabalístico, acaba de ser lançado com mensagens de superação e positivismo. É um som leve quanto mais reggae se torna, às vezes denso quando rap e bem produzido pela dupla colombiana radicada no Brooklyn, Salt Cathedral. Três singles já estão nos ares: AM_RICA, Keep Coming Back For More e Chameleon. “Queime a negatividade como radiação”, diz em AM_RICA; “Mamãe, por favor, não se preocupe / Porque eu estarei de volta sem ferimentos / Antes que você possa me chamar / Não é um exército que poderia parar meu caminho”, diz em Mama Please Don't Worry”; “Eu costumava ser um simples judeu / Um pouco irritado quando você vinha rude para mim”, confessa em In My Mind.

Ao Estadão, Matisyahu fala sobre o que o fez deixar o judaísmo ou ao menos ostentá-lo visualmente em sua carreira de rapper: “Eu acho que chegou um momento em que parei de procurar por uma grande verdade e comecei a buscar aquelas ‘pequenas verdades’ que fazem a vida ganhar sentido. Pelo menos para mim não é mais sobre algo definitivo, sobre um objetivo claro. Agora, tenho focado mais nas pequenas coisas.” É a troca, como disse o judeu tcheco Milan Kundera ao judeu norte-americano Phillip Roth, do mundo das respostas pelo mundo das perguntas.

O rapper, em 2006 Foto: Acervo Estadão

Já que há um nível tão profundo de pessoalidades em seu trabalho, a pergunta seguinte foi sobre seu estado de espírito. “Eu acho que sinto tudo ao mesmo tempo. Tenho medo, preocupações e, ao mesmo tempo, acho que cheguei a um nível de felicidade e autorrealização que não sabia que era capaz de vivenciar.” Se há conexões entre o rap e o judaísmo (o cristianismo progressista faria essa comparação livre de pecados), diz ele: “O rap é um estilo de música e o judaísmo é até um pouco mais do que a religião, mas é o povo que o vive. Então, eu nem sei por onde começar a comparar por serem coisas tão diferentes. O que acho é que as junções se dão sobretudo pelos jovens judeus que cresceram nos anos 90, 2000 e que, hoje, vivem em uma sociedade altamente influenciada pelo rap.”

O que diz, em seguida, daria uma tese. Ele fala, em outras palavras, da absorção do rap no meio judaico e de como o rap se comporta incorporado a outros códigos. “Isso é algo complicado. Os judeus estão espalhados por todos os lugares e assimilados com cada cultura, não exclusivamente em um lugar. Então, essas pessoas recebem o rap, mas mantêm algo de suas culturas inerentes ao gênero. Acho que a pergunta final é o que acontece após se dar essa união de culturas? É algo que ainda não foi registrado nos livros.”

Matisyahu em 2022 Foto: CHARLES VIDAL

E sobre o “judeu imaginário” estabelecido pela cultura pop ocidental do pós Segunda Guerra Mundial? O quanto paira sobre seu povo a cobrança para que sejam justos, corretos, éticos, morais, invioláveis e, quase que geneticamente, vítimas? “Eu sinto que essa imagem é algo que está ficando muito forte como algo do passado. Vemos muitos comediantes, artistas, atores e atrizes criando essa nova cultura.” Ele cita o rapper canadense Drake, filho de mãe judia, como um exemplo. “Um nome como Drake, por exemplo, é importante. Ele é meio-judeu e tem conseguido criar basicamente o seu próprio gênero musical. Eu sinto que os judeus sempre foram parte da cultura, mas esses estereótipos parecem quase elitistas vendo como tem sido formada a nova cultura americana.”

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