Novo disco de Alicia Keys mostra a cantora resistindo contra a perfeição superficial

O álbum duplo 'Keys' tem músicas que exploram o desejo, o amor e a solidão

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Por Jon Pareles
Atualização:

Keys, o novo álbum de Alicia Keys, é um experimento de alto conceito, o tipo de projeto autoconsciente e introspectivo que tem surgido durante a pandemia. Como a decisão de Keys de não usar mais maquiagem em público, o álbum é em parte uma resistência contra a perfeição superficial e falsa. “Eu costumava viver escondida em um disfarce”, ela canta em Plentiful, uma afirmação de fé religiosa e também em si mesma que abre o álbum.

Alicia Keys acaba de lançar um disco duplo. Nesta imagem a cantora se apresenta em Dubai. Foto: AFP

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Keys também expõe as opções disponíveis para um músico do século 21, os incontáveis ajustes e variações digitais. É um álbum duplo com 21 músicas, oito delas aparecendo duas vezes. Começa com Originals, faixas que Keys produziu em grande parte sozinha, seguido por Unlocked: versões alternativas produzidas por Keys com o hitmaker Michael Williams II, que se autodenomina Mike WiLL Made-It. Embora todo o álbum seja uma produção de estúdio, Originals tem um espírito caseiro, enquanto Unlocked pode funcionar no carro e no clube. Cada metade conta uma história diferente sobre como as músicas movem os ouvintes, física e emocionalmente.

As próprias canções exploram o desejo, o amor e a solidão. Ao longo de sua carreira, Keys mesclou o pessoal e o político, muitas vezes invocando a força e determinação de uma mulher. Mas na maior parte de Keys, ela interpreta uma mulher escrava de seus sentimentos, às vezes conectada, carente, amorosa, generosa, desolada, ciumenta e, eventualmente, com poder de cura. A maioria das canções traz um punhado de acordes enquanto Keys dá espaço para sua voz saltar, enrolar, meditar, sincopar; ela raramente soou tão jazzística e improvisada.

A lista de faixas de Keys não é completamente simétrica. Cada metade do álbum varia a sequência e inclui músicas exclusivas. Mas agora qualquer um pode rearranjar um álbum, e Keys convida cada ouvinte a pensar como um produtor, ouvindo as possibilidades de timbre, propulsão, peso e contexto para cada som, enquanto deixa claro o quanto essas escolhas importam.

Capa de 'Keys', álbum recém-lançado de Alicia Keys. Foto: RCA via AP

A metade Originals do álbum promete intimidade. Ao contrário de seu álbum de 2020, Alicia, que envolveu dezenas de colaboradores, Keys geralmente traz poucos músicos para cada música. Ainda há muita ilusão de áudio em suas versões Originals, com samples (como a batida de Sade em Best of Me), backing vocals multitracked e efeitos sonoros de vinil arranhado. No entanto, essas canções evocam determinados espaços pequenos e privados enquanto ela canta em meio a emoções misturadas. Na chorosa Dead End Road, ela está tentando desesperadamente salvar um relacionamento fracassado, que lembra Aretha Franklin em um estilo gospel "chamada e resposta" com um coro que parece estar vindo de dentro de sua própria cabeça, ainda a encorajando a "tentar”

Em Only You, Keys declara, "Não sou nada sem você aqui" com acordes reverberantes de piano, com o tempo flutuando como se cada linha estivesse lhe ocorrendo naquele momento, embora uma banda eventualmente se junte a ela. E em Is It Insane, Keys está ao piano, conduzindo um trio de jazz de estilo vintage por acordes complexos enquanto ela canta sobre ficar obcecada por um ex, aprofundando o tom de sua voz como uma moderna Billie Holiday ou Nina Simone enquanto implora: "Leve a dor embora."

As produções Unlocked colocaram Keys de volta na rede digital que frequentemente define o pop atual. Depois de uma introdução delicada, a segunda versão de Only You anuncia a mudança com uma batida constante e forte e pedaços digitalmente cortados de piano e vocais principais, juntamente com efeitos sonoros, incluindo sirenes e um tiro. É um sinal do que está por vir: batidas mais pesadas, frases vocais transformadas em ganchos, participações especiais (como o tom despreocupado de Lil Wayne em Nat King Cole, uma música que desafia seu ouvinte a se tornar "inesquecível").

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As faixas Unlocked têm virtudes próprias. Elas empurram a voz de Keys para um foco mais nítido. Elas dão a Keys uma atitude confiante quando ela está aproveitando o romance em Skydive e Love When You Call My Name, e transformam Old Memories, uma música com toques dos anos 1950 sobre o que a música pode desencadear, do arrependimento à resiliência. Mike Will também utiliza pequenas interjeições de fundo - um fragmento vocal, um floreio de saxofone, um punhado de notas de guitarra dedilhadas – como uma forma engenhosa e quase subliminar de chamar a atenção.

Mas as canções de Unlocked soam como performances públicas, puras, blindadas e solidamente 4/4, mais bloqueadas do que desbloqueadas. As canções de Originals sugerem sentimentos mais livres, confusos, próximos, não resolvidos, ousadamente desprotegidos - e completamente, abertamente humanos. /TRADUÇÃO LÍVIA BUELONI GONÇALVES

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