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Pet Shop Boys é diversão analógica em plena era digital

Dupla inglesa toca cascatas de hits em noite divertida e irônica, no Credicard Hall

Por Agencia Estado
Atualização:

A pista do Credicard Hall, na noite chuvosa de sexta-feira, 16, parecia uma extensão da Avenida Vieira de Carvalho depois das 6 horas da tarde: muitos casais gays de mãos dadas, muitos gays na captura, outro tanto de gente querendo descobrir o motivo da longevidade daquele par no palco, Neil Tennant e Chris Lowe, junto há quase três décadas. Então, a felicidade é até possível numa relação monogâmica? Mas, no palco, Neil (vocal) e Chris (dois ou três botões num púlpito que poderia ser uma engenhoca eletrônica) se esforçam para provar algo que não têm nada a ver com as bandeiras do orgulho gay: mostrar que é possível fazer a dance music atravessar todo o espectro sentimental ??- da euforia stripper de um balé de caubói de boate ao doloroso andamento do funeral da princesa Diana - sem perder sua capacidade de elevar e também de distrair. Algumas garotas reclamavam do som muito baixo, pouco adequado para uma "noitada de música eletrônica", como prometeu Neil Tennant ao fazer sua introdução, às 22h30, com God Willing e We´re the Pet Shop Boys. Mas o clima era mais de uma festa cafona em tributo às divas da era da disco music, como Diana Ross ou Gloria Gaynor, do que de pancadão sem misericórdia (o grupo até arrumou uma back singer idêntica àquelas divas antigas). O show multimídia que Tennant prometera era bem modesto, quase que um contraponto às maravilhas da era digital. Em vez dos fabulosos equipamentos estupefacientes de um Daft Punk, por exemplo, singelos filmetes que evocavam fantasias do cinema mudo, geleiras derretendo, estrelas americanas ufanistas se esfarelando e dois dançarinos que passavam pelo ABC da pista sem cerimônia (hip-hop, vogue, discothèque), duplicando em suas roupas as fantasias vestidas pelos dois mestres-de-cerimônia. Neil Tennant envergava cartola e fraque, um perfeito cidadão britânico (como reza o protocolo), excêntrico em sua formalidade, embora secretamente anárquico. Seu parceiro, Chris Lowe, de moleton de jogging, boné de pivete e óculos escuros, seria sua contrapartida informal. Minha cara metade é o meu contrário, e é assim que nós nos completamos. Com essa profusão de comentários sobre o mundo, sobre a dança, sobre o mistério do entretenimento (que mantém aceso o interesse na música de astros como Madonna ou Elton John), os Pet Shop Boys garantem sua sobrevivência. Seria uma covardia se os comparássemos aos seus herdeiros, como Moby, Lilly Allen, Scissor Sisters. É botar Romário para correr atrás de Lionel Messi. Mas, com inteligência e timing de Broadway, eles vão se segurando como referência e baluartes. Mais do que a profusão de hits (tocaram todos eles, como Suburbia, Rent, Heart, Opportunities, Domino Dancing, Always on my Mind, Where the Streets have no Name, West End Girls e Sodom and Gomorrah Show), o que sustenta os Pet Shop Boys é a capacidade de engendrar comentários teatrais sobre sua presença no mundo do pop dançante, e sobre o sentido da vida nesse universo. Eles, que já foram anti-Tatcher, hoje manifestam abertamente seu descontentamento com Tony Blair e George W. Bush. Tennant foi o primeiro a protestar contra a barbárie de um show que não cuida de seus espectadores, como foi o dramático Festival de Roskilde, na Dinamarca. Exerce a cidadania nos interstícios de sua ação cênica, sem se tornar um chato, um carola fundamentalista. Mais que isso: sua voz, já não tão potente como no passado, ainda se sustenta pela originalidade, pela capacidade de concatenar todo discurso como se fizesse troça de tudo. Ironia e sarcasmo parece que já vieram desenhados nos sulcos do rosto de Tennant. E ele não nega o seu destino. A noite termina com Go West, do Village People, assim como a pacífica e divertida travessia por três décadas de alegorias do guarda-roupas gay.

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