Registro inédito de show do cantor Agostinho dos Santos é lançado em CD

Trata-se de uma série de apresentações do músico no auditório da Rádio Monte Carlo, uma emissora de Montevidéu, em 1962

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Por Danilo Casaletti
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O Brasil, comumente chamado de país sem memória, em se tratando de música, costuma relegar ao esquecimento os cantores do período pré-bossa nova. São nomes que participaram da Era de Ouro (1929-1945) e da Era do Rádio (1946-1958) e que, com raras exceções, não são mais tocados, não aparecerem em trilhas sonoras e sequer são citados como influência pelas novas gerações, que têm como referência, sobretudo, os protagonistas da chamada MPB ou do Tropicalismo.

Nessa lista dos abandonados está Agostinho dos Santos (1932-1973), cantor paulistano que começou sua carreira nos anos 1950 e fez fama cantando sambas-canção e bossa nova. Agora, depois de quase 50 anos após sua trágica morte, aos 41 anos, em um acidente aéreo na França, o selo Discobertas lança em CD e nas plataformas digitais Agostinho dos Santos em Uruguay, um registro inédito de apresentações feitas pelo cantor no auditório da Rádio Monte Carlo, emissora de Montevidéu, em 1962.

Vinicius de Moraes, Tom Jobim e Agostinho dos Santos Foto: Arquivo Estadão

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A fita de rolo com as gravações das três apresentações – o álbum traz 11 faixas selecionadas dentre esses três dias – foi encontrada por acaso pelo produtor Thiago Marques Luiz no ano passado nos fundos do Bar Ferradura, estabelecimento que a filha de Agostinho, Nancy Palleta dos Santos, mantinha na cidade de São Bernardo do Campo, na Grande São Paulo, e onde se encontrava parte do acervo do cantor.

Marques Luiz acompanhava o jornalista Ney Inácio, que estava em busca de material para o documentário Agostinho, que está produzindo sobre o cantor (leia mais adiante). A fita estava em condições precárias de armazenamento – outros objetos de Agostinho, como sua coleção de vinil, encontravam-se inutilizados – e apenas como uma etiqueta onde era possível ler “Uruguai”.

“Não sabíamos o que era. Pensamos se tratar de uma entrevista. Para nossa surpresa, eram essas apresentações”, diz o produtor. Agostinho é acompanhado pelos músicos Pedrinho Mattar (piano), Chu Vianna (baixo) e Rubinho Barsotti (bateria), craques da bossa nova paulistana.

Recuperação

A gravação foi recuperada e masterizada por Anderson Cesarini, que tem se especializado nesse tipo de trabalho – ele também foi responsável recentemente pela restauração de áudios das cantoras Eliana Pittman e Alaíde Costa.

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No repertório do álbum estão músicas como o samba-canção Balada Triste, um dos grandes sucessos da carreira de Agostinho dos Santos; A Noite do Meu Bem, de Dolores Duran; O Amor em Paz que Tom Jobim e Vinicius de Moraes deram para o cantor lançar, Céu e Mar, de Johnny Alf, que ele cantou pela primeira vez nessa ocasião, além de uma composição que Agostinho assina Fernando César chamada Balada do Homem Sem Deus.

Outras duas faixas importantes são os sambas Manhã de Carnaval, de Luis Bonfá e Antônio Maria, e A Felicidade, de Jobim e Moraes, que Agostinho lançou na trilha sonora do filme francês Orfeu Negro, do diretor Marcel Camus, de 1959.  “Agostinho era muito querido por todos. Na agenda telefônica dele havia os números de Jobim, Chico, Elis e Roberto Carlos. Ele era um cantor moderno e eclético. Cantava samba-canção, bossa nova, tango, bolero, músicas de festivais. Ele foi, inclusive, diretor artístico de um selo chamado Codil, que lançou Milton Nascimento”, ressalta Marques Luiz.

Filha como 'narradora'

“Aquele avião caiu foi na minha cabeça”. A frase da filha mais velha de Agostinho, Nancy, que está no documentário em que o jornalista Ney Inácio trabalha desde 2019, mostra a forte ligação que ela tinha com o pai. Por isso, Inácio a elegeu como espécie de narradora da vida do cantor. 

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Aliás, era para Nancy embarcar para a França – o destino final seria a Grécia – junto com o pai. Desistiu por essas coincidências inexplicáveis nesse tipo de tragédia. Isso fez com que ela carregasse para a vida uma grande mágoa com o episódio. Nancy morreu em julho de 2020.

“Com a mudança na música brasileira, o Agostinho não tinha mais espaço na música brasileira. O plano dele era ir para a Grécia e tentar fazer algo por lá, participar de um festival. Infelizmente aconteceu o acidente”, explica o jornalista, que em 2015 fez o documentário de outra personagem esquecida da música brasileira, a cantora Leny Eversong.

A filha de Agostinho também narra os episódios de racismo que ela e o pai enfrentaram. Filha de mãe branca, viu o pai negro e artista ser barrado em um baile de um clube e ter que se esconder atrás de uma cortina em uma festinha da escola em que ela estudava. O cantor, inclusive, criou o clube Aristocratas para receber artistas negros, brasileiros e estrangeiros, como Jair Rodrigues, Josephine Baker e Stevie Wonder.

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Nomes como o musicólogo Zuza Homem de Mello, os cantores Agnaldo Timóteo e Martinho da Vila e os músicos Sérgio Mendes e Toquinho também foram ouvidos. Eles falaram sobre a genialidade do cantor que, meticuloso, escrevia os próprios arranjos para suas gravações.

Inácio pretende finalizar o documentário em 2022. Como bom pesquisador, ele ainda nutre a esperança de conseguir os depoimentos de Pelé – Agostinho frequentava as concentrações da seleção brasileira e tocava e cantava com o jogador – e do cantor americano Johnny Mathis, que dividiu o palco com o brasileiro em 1964, em uma apresentação na TV Excelsior. O jornalista também procura por uma foto de Agostinho ao lado de Milton Nascimento. Os dois moraram juntos por um tempo na chamada Boca do Lixo, zona central de São Paulo

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