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Thiago França faz disco para o carnaval

Músico desafia as convenções e usa a festa como plataforma para lançar um álbum cheio de liberdades

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Por Julio Maria
Atualização:
Napoleão. O 'capitão do sax' achou sua linguagem em São Paulo Foto: GABRIELA BILO | ESTADAO CONTEUDO

Nem a chuva que parecia sair de uma página da Bíblia parou o bloco dos sopros de Thiago França no carnaval do ano passado. A água das ruas de Santa Cecília, que já subia pelas canelas, era vencida a golpes de marchas, frevos, solos e cantoria. Se as pessoas fossem embora, se os músicos debandassem, adeus carnaval, mas algo fez com que todos ficassem e até, no meio do fim do mundo, cantassem mais alto. Naquela tarde, Thiago lavou o saxofone e a alma. O carnaval de São Paulo, estava provado, não precisa ser o túmulo da criação.

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Seu primeiro disco com temática carnavalesca sai um ano depois, ainda sob o impacto da cena. “Foi uma das coisas mais incríveis que vivi”, diz França. O Último Carnaval de Nossas Vidas é um trabalho que se destaca por um punhado de razões musicais e outras culturais. Ele traz 11 temas inéditos, 10 deles assinados pelo próprio França, e todos conduzidos por seu grupo de rua da ocasião, batizado de A Espetacular Charanga do França. Já bate de frente com a tradição. Quem mais lança discos no dia 1.º de janeiro, como ele fez? Quem mais, que não seja pernambucano, lança discos de carnaval, com frevos e marchas inéditos? Quem mais, que não seja pernambucano, compõe frevos no mundo?

O título brinca com a urgência da festa, como se fosse o carnaval o último sopro de vida ao folião, ao mesmo tempo que chama a atenção para uma questão mais comportamental do que de política. “A gente nunca sabe o futuro dessas iniciativas de políticas públicas. Pode ser que tudo acabe mesmo, que os blocos de rua de São Paulo deixem de existir quando trocarmos de prefeito”, diz França, mencionando a fragilidade à qual os projetos de ocupação dos espaços também estão expostos.

* Ouça a música Marchinha do Pitbull  Thiago França se cerca de dois coletivos. O primeiro é sua ‘charanga’, nome que se dá a formações pequenas de música andina. Estão nele Amilcar Rodrigues (trompete e flughel), Allan Abbadia (trombone), Anderson Quevedo (sax barítono e flauta), Filipe Nader (tuba), Welington Pimpa Moreira (bateria, agogô) e Samba Sam (surdo), todos a seu comando, o ‘capitão do sax’. O outro é formado por colaboradores, nomes que se frequentam disco após disco. Clima (voz), Douglas Germano (cavaco e voz), Kiko Dinucci (guitarra), Juçara Marçal (voz), Rodrigo Campos (guitarra e voz), Romulo Fróes (voz) e Tulipa Ruiz (voz). Um bloco que tem aberto trilhas nas convenções e na tradição, criando modelos novos ou implodindo alguns deles.

O disco de França é um refresco perto do que ele já fez em projetos anteriores. Sua linguagem tem testado o conceito de liberdade, inerente ao próprio conceito de música, e a paciência dos tradicionalistas. Mineiro, ele deixou Belo Horizonte depois de perceber que poucos ali entenderiam o que gostaria de fazer. Ao chegar a São Paulo, descobriu que mais pessoas pensavam como ele. Soltou o freio de mão e deixou as ideias descerem a ribanceira, perdendo os pudores da criação. Se perguntarem se só os jazzistas podem fazer jazz de desconstrução, ele responde com Space Charanga, disco que lançou em 2015. Se alertarem que o samba tem limites impostos pela tradição, ele mostra o álbum Malagueta, Perus e Bacanaço, de 2013. Seu sax está ainda em projetos como MarginalS, Sambanzo, Meta Meta. “Minha vida é feita de projetos paralelos”, brinca.

Seu carnaval, então, é pulado com os dois pés, um nas convenções que o tempo fossiliza e o outro no pensamento livre. Existe a marcha da abertura, que tem o nome do disco, que ele diz não ser um frevo, mas que tem ali muito das ruas de Pernambuco. E é o espírito das ruas que vai predominar, como se o bloco seguisse em frente, mas com detalhes, como a distorção de uma guitarra, que vão distanciá-lo das formas comuns. A seguinte, a Marchinha do Pitbull, é outra marcha, com Douglas Germano, folclorizando o personagem do playboy bombado que só quer criar confusão no bloco. O carnaval de França está na rua.

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