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Novo Faulkner chega às livrarias

Acaba de ser reeditado, pela Mandarim, o livro considerado a obra-prima de William Faulkner, Enquanto Agonizo. Trata-se de uma retradução assinada por Wladir Dupont

Por Agencia Estado
Atualização:

Acaba de ser reeditado, pela Mandarim, o livro considerado a obra-prima de William Faulkner, Enquanto Agonizo. Trata-se de uma retradução do romance, assinada por Wladir Dupont, que tem 40 anos de jornalismo e há 18 trabalha como tradutor. Desde o início da carreira, ele passou por diversos jornais e revistas, foi correspondente no México, em Portugal e na América Central, escreveu contos, livros institucionais, etc. O tradutor surgiu em 1984, quando ele vivia em São Paulo e a Cultura lhe encomendou a versão de Made in Japan, autobiografia de Akio Morita, fundador da Sony. De lá para cá foram 20 trabalhos. Entre os principais estão A Outra Voz, de Octavio Paz, que lhe valeu o Jabuti de tradução em 1994, A Festa do Bode, de Mário Vargas Llosa, e quatro livros de William Faulkner. O último é Enquanto Agonizo. Apesar da experiência e do conhecimento das obras de Faulkner, traduzir um livro do autor de O Som e a Fúria é sempre um desafio. Porque trata-se de um grande artista literário, ou seja, do tipo que faz da linguagem o seu mundo, um mundo muito especial, situado no sul dos Estados Unidos, que por si só já tem suas peculiaridades comportamentais e também lingüísticas. Dupont chega a compará-lo, nesta entrevista concedida por e-mail, a um Guimarães Rosa, para dar a idéia da dificuldade que está na transposição do seu mundo explosivo para o português. Ele se tornou tradutor depois de ter estudado nos Estados Unidos e ter vivido na América Central. Está há seis anos radicado, pela terceira vez, na Cidade do México, onde vive com a mulher, Guadalupe, mexicana, e os filhos. Essas experiências tornam Dupont naturalmente atento para as armadilhas existentes no inglês e, mais do que em outros idiomas no castelhano, quando se trata de passá-lo para o português, por causa das perigosas semelhanças. Ou, traduzindo: nesta matéria, mais do que em qualquer outra coisa, as aparências enganam. Agência Estado - O tradutor surgiu por acaso ou foi planejado? Wladir Dupont - Comecei a traduzir em 1986, na busca instintiva de uma saída do jornalismo, depois de 25 anos de profissão. Estava preparado para entrar nesse novo campo, pois a essa altura meus conhecimentos de inglês e espanhol já eram sólidos, tendo estudado nos Estados Unidos e vivido no México duas vezes. Aos poucos, quando enfrentei desafios mais importantes ? Octavio Paz, por exemplo ? peguei gosto e procurei me aprimorar no ofício, lendo com afinco livros sobre o assunto - George Steiner, o próprio Paz, os brasileiros Brenno Silveira, Paulo Rónai, Geir Campos e sobretudo José Paulo Paes, este de consulta obrigatória todos os dias. Hoje, afastado do jornalismo diário, me considero um tradutor profissional, atividade que alterno com a de escritor de livros institucionais. Mas continuo estudando técnicas linguísticas e literárias, assim aprimorando minha competência no ofício, por meio de manuais, revistas, outras traduções, intercâmbio com colegas tradutores ou entidades mundiais especializadas no assunto. Como é o processo, diante da página em outro idioma? Começo refletindo sobre esse problema usando o título do livro do José Paulo Paes, Tradução, a Ponte Necessária. Acredito que esse título já diz tudo sobre a forma como vejo e pratico o ofício, sem maiores elaborações teóricas. Ou, como diz José Paulo Paes, a boa tradução há de ser aquela que, sem desfigurar por imperícia as normas correntes da vernaculidade, deixe transparecer um certo quid de estranheza capaz de refletir, em grau necessariamente reduzido, as diferenças de mundo entre a língua-fonte e a língua alvo. Uma tradução pode parecer tradução? Nessa visão do problema está incluído outro dilema maior na hora de traduzir - em que momento adotamos a solução literal ou partimos para uma solução mais nossa, um equivalente brasileiro, o que implica num trabalho mais criativo do tradutor. Mas até que ponto pode chegar o tradutor nessa criação e que grau de eficácia pode atingir nesse processo? - são também aspectos que devem preocupar o tradutor honesto e competente. Como é, particularmente, a experiência de traduzir Faulkner? A princípio, quando Pedro Paulo Sena Madureira, da Siciliano, me propôs traduzir Faulkner, vacilei muito, nunca havia pensado em pegar uma pedreira como essa, mas acabei topando e começando devagar, palavra por palavra, frase por frase. Do Faulkner traduzi, antes de "Enquanto Agonizo", a trilogia da família Snopes - "O Povoado", "A Cidade" e "A Mansão", que saíram em 1997 e 1998. Tive um bom tempo para fazer esses três livros, pois iniciei o trabalho em 1996, um livro por vez. Foi uma tradução bastante difícil, penosa por vezes, muito mais do que "Enquanto Agonizo", pois se tratava de meu primeiro contato com o texto de Faulkner. Não havia trechos mais duros, todos eram duríssimos. Quais são as maiores dificuldades com Faulkner? As dificuldades maiores na tradução de Faulkner estão no estilo do escritor, absolutamente rebelde e anárquico no que se refere às estruturas gramaticais, bastante parecido com o nosso Guimarães Rosa, tão inventivo e revolucionário quanto este na criação de uma linguagem e sintaxe próprias. Além disso, usa muito o recurso intimista, quando os personagens se entregam a longas e herméticas reflexões no meio da trama. Outro obstáculo é o uso constante de um inglês muito típico do sul dos Estados Unidos, dos anos 20 e 30. Todos esses aspectos complexos juntos fazem da tradução de Faulkner uma empreitada respeitável, desafio enorme, às vezes assustador. Sim, com o tempo, conhecendo melhor as peculiaridades de Faulkner, fica o tradutor um pouco mais seguro ao traduzi-lo, mas nem por isso mais fácil será o trabalho, nunca. Como são as relações com o castelhano e o inglês? São obviamente muito diferentes, mas o fato de Octavio Paz escrever em espanhol, língua irmã, nem sempre facilita a tarefa. Explico: ele tem um texto claro, transparente, de grande beleza estilística, em certas passagens, considerando as semelhanças sintáticas entre os dois idiomas, aparentemente fácil de passar ao português, numa tradução quase literal. Mas aí, nessa semelhança, se escondem algumas armadilhas com as quais o tradutor deve ter muito cuidado, pois às vezes são perigosas, enganosas. Dois exemplos simples em nível léxico: torpe, em espanhol, significa atrapalhado, confuso, uma pessoa inepta, nada a ver com o torpe em português. Presunto quer dizer suposto, "el presunto culpable". Além do mais, entram também os chamados giros do espanhol mexicano, certas fórmulas locais de expressar idéias e pensamentos, usos coloquiais. O Paz ensaísta exige também do tradutor uma boa cultura humanística, pois com freqüência ele passeia, com enorme erudição, pela Antigüidade - gregos e latinos - pela cultura chinesa e a indiana, a poesia inglesa e a americana. Na verdade, nunca começo uma tradução achando que este ou aquele autor é mais fácil ou mais difícil. Primeiro, leio o livro e anoto as dificuldades mais à vista. Depois, faço uma primeira versão do primeiro capítulo e nela fico vários dias afinando com o lápis. Começo então para valer e traduzo sem parar para consultas ou correções, sempre anotando as dúvidas. Terminada a tradução, começo o período de revisão e correção, que leva várias semanas, chegando a exigir até cinco versões de um mesmo texto. Como o sr. vê a recepção às suas traduções? Tenho sido tratado com respeito e seriedade pela crítica, tanto a jornalística como a acadêmica. Aqui e ali, claro, aparecem restrições de ordem técnica de resenhistas mais meticulosos, sobretudo os acadêmicos, mas nenhuma, digamos, avaliação desastrosa até agora, principalmente no referente a Octavio Paz e Faulkner, bem recebidos, algumas vezes até de forma muito generosa. Acho que a crítica de modo geral não leva em conta dois problemas muito sérios: os prazos industriais da tradução no Brasil e a etapa da preparação e revisão dos textos dentro das editoras. De um lado, o tradutor se vê sempre trabalhando com datas apertadas. De outro, justamente por isso mesmo, não há tempo para uma mínima e rápida revisão da revisão. E muitas vezes o tradutor é criticado por alguma solução pela qual não é o responsável final. No meu caso particular tenho sido privilegiado, pois o Pedro Paulo montou na Siciliano uma equipe muito competente de preparadoras de texto, que muito têm colaborado para que minhas traduções recebam um belo toque e retoque finais. Para alguns, o traduzir é tão fascinante que quase pode ser comparado ao ato de escrever. O sr. diria que traduzir é uma segunda paixão? Como dizem os mexicanos, "tampoco es para tanto". Gosto muito do que faço, mas não encaro o trabalho como uma paixão, como se fosse um livro próprio. Este ainda não escrevi, embora tenha contos publicados em quatro antologias em São Paulo. Não sou ficcionista, gosto mais de escrever livros de não-ficção, os chamados institucionais. Tenho alguns projetos com editoras paulistas para este ano que começa, livros sobre a cidade e sua gente. O principal deles é um livro sobre o jornal O Tempo, que circulou em São Paulo entre 1950 e 1960, formou grandes jornalistas e inovou em alguns aspectos, pelo menos para a época - reportagens completas na primeira página, ênfase no colunismo, jornal do dia seguinte à meia-noite nas bancas, tudo sob a direção do lendário secretário de redação, o Sacchetta.

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