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Overdose desequilibrada de Schumann

Por Crítica: João Marcos Coelho
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A sexta-feira foi especial para o Anfiteatro Camargo Guarnieri, na Cidade Universitária: em menos de 12 horas, houve duas performances da mesma obra, com orquestras e intérpretes diferentes. Com um detalhe: as duas orquestras pertencem à USP. Ao meio-dia, a maestrina Ligia Amadio regeu os 37 músicos estatutários e os 43 extras da Osusp (Orquestra Sinfônica da USP) no concerto para piano de Schumann, encerrando a temporada de 2010. E às 20h30 Gil Jardim regeu a mesma obra à frente dos 40 integrantes da Ocam - Orquestra do Departamento de Música da USP, em concerto comemorativo dos 40 anos do departamento, criado por Olivier Toni, ali presente. Foram solistas os pianistas cariocas Linda Bustani e Eduardo Monteiro.Pouca gente entendeu o motivo dessa trombada de repertório. É de fato uma situação esquizofrênica. A Osusp foi criada em 1975 e a Ocam 20 anos depois. Mas institucionalmente jamais se falaram. Deveriam ser uma o prolongamento natural da outra - e obedecer a um comando único. Nenhum reitor, nesses 35 anos, tomou esta atitude lógica. Pior. Ninguém ganha, todo mundo perde. A Osusp não completa seus quadros e por isso contrata dezenas de músicos a cada concerto, o que custa bom dinheiro e impede a construção de uma sonoridade própria; e a Ocam recorre a patrocínios para se viabilizar. O bate-cabeça na programação é só a ponta do imbróglio.Mas houve momentos compensadores. Ligia e a Osusp foram excepcionais em Veredas, obra de 2003 de Marisa Rezende que brinca sem preconceito com os sons, num total domínio da massa sinfônica. E, à noite, Eduardo Monteiro, no auge da maturidade, fez o público esquecer a sofrível quarta sinfonia de Beethoven com uma leitura "affettuosa" mesmo do "Allegro affettuoso" do concerto de Schumann, apesar das claudicâncias da Ocam; ao meio-dia, faltou poesia à ótima Linda Bustani, que foi mais para os lados de um "Allegro deciso", oposto do que pede Schumann. O andamento é o mais ambicioso e nasceu isolado como "fantasia" para celebrar a lua de mel com Clara. Affettuoso, portanto, não é penduricalho, mas razão de ser da obra.

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