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De antena ligada nas HQs, cinema-pipoca, RPG e afins

Antes de 'Blonde', Marilyn vai à Tijuca

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Por Rodrigo Fonseca
Atualização:

RODRIGO FONSECA À espera de "Blonde" e do quão avassalador possa ser a atuação de Ana de Armas, que Veneza há de conferir em primeira mão, na disputa pelo Leão de Ouro de 2022 (de 31 de agosto a 10 de setembro), o cinema saliva por toda e qualquer representação de Marilyn Monroe (1926-1962), em meio à efeméride dos 60 anos de sua morte. Mas o teatro carioca, Cassandra que é, foi visionário, antecipou-se e abriu palco para a atriz Anna Sant'Anna realizar um inventário das cicatrizes deixadas pela partida da estrela. Uma estrela cuja mortalha midiática é um signo de dor. "Marilyn, Por Trás Do Espelho", em cartaz no Sesc Tijuca, não é uma biopic, uma peça limitada à sua verve biográfica, e, sim, uma aula de semiótica na qual são espatifadas personas - algumas de sensualidade, outras de sucesso - associadas ao (verbo) viver de Norma Jeane Mortenson, aka Marilyn, ao longo de uma trajetória que enriqueceu estúdios. Fatos notórios (os pessoais e os profissionais) estão ali, devidamente pesquisados; evocações a situações históricas, também; e há uma curva aristotélica que nos conduz da ascese à derrocada em atos bem estruturados, de atenta proximidade ao turbilhão de acontecimentos que manteve sua personagem central sob os holofotes. Do triunfo ao desastre. E tudo é dirigido por Ana Isabel Augusto a partir de uma inflamável trilha de pólvora, que eleva o ritmo da imolação que Anna nos dá em cena. Mas a dramaturgia de Daniel Dias da Silva não bate cabeça para Aristóteles de modo submisso. Da mesma forma como opera na direção do quindim "Charles Aznavour - Um Romance Inventado", em cartaz no PetraGold, ralando o coco dos formatos de gênero (neste caso, o musical), Dias da Silva faz mais investigação do que contação, promovendo (em duo com Ana Isabel) um processo de descolamento de Anna Sant'Anna e Marilyn. Ele cria um hiato de fino distanciamento em que a voz da atriz canta e conta, consciente, o que se passou com a alma hollywoodiana que "encosta" em seu corpo. Num primeiro momento, enxergamos mimese, até que a protagonista se desapega do mito, gradual e suavemente, usando seu farto ferramental cênico para criar uma narrativa em que seu trabalho é mais um espelho de MM do que uma recriação (em si) de La Monroe. Ou seja, não é jira, é uma análise consciente, mas sem juízos de valor, onde enxergamos uma das personalidades mais adoradas das telas para além de sua maquiagem, aproximando-nos da pessoa por trás do ente que as câmeras imortalizaram. Não é uma pessoa sobre o (que é) imortal, e, sim, sobre o que é humano... na medida perpétua e demasiadamente frágil da existência. É Nietzsche com Grapette. O resultado, galvanizado pela luz de Renato Machado, é semiologia, com langue e parole juntas, mas daquelas que emocionam, com um desempenho exuberante de Sant'Anna num solo onde a inteligência desafia o páthos. Vale ver, sobretudo pelas ousadias investigativas que uma intérprete permite a si, em encenação. E as passagens em que Anna fala do romance entre Marilyn e o craque do beisebol Joe DiMaggio (1914-1999) são de arrancar lagriminhas e suspiros. Aos domingos, a sessão é às 18h. Perde não.

Ana de Armas em "Blonde", que concorre em Veneza e estreia na Netflix em setembro Foto: Estadão

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p.s.: Tem James Gray na TV aberta, neste domingo, via TV Brasil, com "Z: A Cidade Perdida" ("The Lost City of Z"). Foi o Festival de Berlim de 2017 que atestou toda a excelência desse épico histórico que será exibido no domingão às 16h. Nele, o realizador de "Fuga para Odessa" (1994) e de "A Imigrante" (2013) dá uma perspectiva de timbre intimista à saga do explorador Percy Fawcett. O papel coube a Charlie Hunnam, que assume o posto de herói épico com refinamento, mesmo quando o filme resvala numa loucura à la Werner Herzog.

p.s.2: Na madrugada, lá pela 1h30, a Globo exibe "O Último dos Moicanos" na versão de Michael Mann.

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