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De antena ligada nas HQs, cinema-pipoca, RPG e afins

'Birdman' ainda voa, agora na Amazon

Por Rodrigo Fonseca
Atualização:
Brilhante em cena, Michael Keaton encarna um astro em decadência que fez fama como Homem-Pássaro em Hollywood - Foto: Alison Rosa - Fox Searchlight

Rodrigo Fonseca Experimentando-se pelas veredas da direção com "Knox Goes Away", apoiando-se no talento de Al Pacino em seu elenco, Michael Keaton virou presença constante nos trailers dos atuais blockbusters em cartaz graças à constância dos reclames da aventura "The Flash", no qual faz um regresso ao papel de Bruce Wayne, o Homem-Morcego. Em 1989, o fenômeno popular "Batman", de Tim Burton, estetizou a dimensão estelar de Keaton, que sofreu baques aqui e acolá até se reinventar, em meados da década passada, com "Birdman ou (A Inesperada Virtude da Ignorância)". O P de Pop trombou com essa pérola ganhadora de quatro Oscars na Amazon Prime. Foi delicioso revê-lo. Filmes que conseguem reinventar (ou reciclar) a carreira de atores outrora famosos, mas chapados em rótulos, costumam se candidatar, de cara, ao brilho eterno do amor cinéfilo por seu fator surpresa e por seu espírito redentor. Assim sendo, "Birdman or (The Unexpected Virtue of Ignorance)" (título original) teria seu quinhão de aplauso só por soltar o bicho que, há tempos, andava preso na alma de Michael Keaton, pelo menos desde "Jackie Brown", lá atrás, em 1998. Porém, existe mais do que um ator em estado de graça na produção de US$ 18 milhões filmada por Iñárritu em Manhattan, NY, fingindo ser um plano-sequência de 119 minutos de dramédia moral. Em um gesto de descarrego das tragédias que fizeram sua fama de "Amores Brutos" (2000) ao belo "Biutiful" (2010), o cineasta Alejandro González Iñarritu cria uma aeróbica de planos sem corte, alinhados por uma batida de pratos de bateria, numa maratona sinestésica, a fim de expressar a ressaca na qual a indústria audiovisual dos EUA se encontra. Repetições de fórmula, confinamento de astros a personalidades icônicos, uma política de continuações e de remakes - tudo isso chocou o chicano que surfou na Nueva Onda latino-americana dos anos 2000, a mesma que revelou "Cidade de Deus", de Fernando Meirelles; os argentinos "El Bonaerense - O Outro Lado da Lei" e "Nueve Reinas" e paulistíssimo "O Invasor", de Beto Brant. Diante de uma Babel distinta da sua "Babel" (pelo qual ganhou o prêmio de melhor diretor em Cannes em 2006), o cineasta egresso da Cidade do México achou Hollywood uma festa estranha com gente esquisita. E desta impressão tirou o clima desta comédia sobre um ator que, no passado, fez fortuna e fama sob a fantasia do Homem-Pássaro, e, no presente, amarga a indiferença dos colegas. Num empenho para reaver o respeito que perdeu (a começar pelo respeito consigo mesmo), Riggan Thomson (Keaton, dublado no Brasil por Luiz Antônio Lobue) tenta fazer uma peça na Broadway, tendo o quindim das artes cênicas (mas, ao mesmo tempo, garoto-enxaqueca dos palcos) como seu parceiro de ribalta: Mike (Edward Norton).

 

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Com alma fraturada pela perda de prestígio e da autoconfiança, e com o bolso a vazar dólares por conta de uma montagem atribulada, Riggan vira uma espécie de Ubu Rei na patafísica que a Cultura das Celebridades se tornou: o darling de ontem é o looser de hoje. Bastava uma sequência para que o longa - laureado com Oscars de melhor filme, direção, roteiro original e fotografia - durasse para sempre em nós: o trecho no qual Keaton desfila só de cuecas pela Broadway, remoendo a impotência de ser uma estrela em ocaso. A fotografia de Emmanuel Lubezki enquadra a "Rua Larga" como uma Sodoma e Gomorra do entretenimento. Mas Iñarritu vai além e nos dá uma cena capaz de por abaixo a veleidade de uma das espécies mais ferozes da cadeia alimentar das artes: a crítica. O embate entre Riggan e a crítica de teatro nº1 de NY (Lindsay Duncan) revela a hipocrisia de uma classe que, por vezes, dá sinais de miopia, opacizada pela catarata da onipotência. Viva México! Viva Keaton! Na ponta do lápis, "BIrdman", que começou sua carreira no Festival de Veneza, fez sucesso comercial, tendo faturado US$ 103 milhões nas bilheterias.

p.s.: Eis a boa das artes cênicas no RJ: o espetáculo "O que sobrou", que estreia nesta quinta, às 20h, no Teatro Glaucio Gill (Praça Cardeal Arcoverde, s/nº - Copacabana). Com texto de Pedro Henrique Lopes e direção de Diego Morais, a peça parte de episódios sobre a ditadura militar, retirados de livros, documentários e documentos históricos para estabelecer uma relação com cenas e personagens da vida contemporânea. Inspirada no livro "Os fornos quentes", de Reinaldo Guarany Simões, a dramaturgia se desenrola a partir da história de três personagens reais: o próprio Reinaldo, sua companheira, Maria Auxiliadora Lara Barcellos (a Dora), e Chael Charles Schreier. Integrantes de grupos que atuavam contra a ditadura, os três foram presos e barbaramente torturados. No elenco, estão Julia Gorman, Pedro Henrique Lopes e Rodrigo Salvadoretti que, além dos três guerrilheiros, vivem diferentes personagens na encenação.

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