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De antena ligada nas HQs, cinema-pipoca, RPG e afins

Buenos Aires no retrovisor de 'Taxi Driver'

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Por Rodrigo Fonseca
Atualização:
De Niro arrebanhou fãs ao encarnar Travis Bickle  Foto: Estadão

RODRIGO FONSECA Na torcida por "Argentina, 1985", um dos mais fortes concorrentes ao Globo de Ouro de 2023, com entrega marcada para o dia 10, no Beverly Hilton, Buenos Aires atenua sua ansiedade por prêmios voltando ao passado, de carona em "Taxi Driver", numa comemoração portenha dos 80 anos de Martin Scorsese. Há um par de sessões do cult ganhador da Palma de Ouro de 1976 na capital argentina, no cine Lorca (Avenida Corrientes 1428), às 18h20 e às 22h20. Projeções da icônica atuação de Robert De Niro gargarejando seu mesmerizante "Are you talkin' to me?" ocorrem ainda na sala Cinema Paradiso, em La Plata. Atualmente, o cineasta finaliza o thriller com pinta de western "Assassinos da Lua das Flores" ("Killers of the Flower Moon"), que deve ser o longa de abertura de Cannes, em maio. Tem Jesse Plemons, Leonardo DiCaprio, Brendan Fraser, John Lithgow e... De Niro. Trata-se de uma trama sobre a fundação do FBI a partir de um genocídio indígena. O De Niro que Buenos Aires vem aplaudindo carrega uma centelha de rebeldia e de juventude singular. A imagem adoecida dele como um chofer de praça que se imola como Cordeiro de Deus, a fim de "limpar" as ruas de Nova York, ganhou as telas do mundo, pela primeira vez, em uma projeção no Festival de Cannes, de onde saiu com a Palma dourada e a fama de ser um ensaio sociológico sobre paranoias urbanas. O culto em torno do longa garantiu um prestígio que Scorsese foi renovando ao longo das quatro décadas seguintes, espalhando-se até pelas plataformas digitais. Ele está em cartaz na Netflix com "O Irlandês" desde 2019.

Scorsese (de chapéu) e seu astro  Foto: Estadão

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Já se falou de uma passagem dele pela Berlinale (16 a 26 de fevereiro) para prestigiar a entrega de um Urso de Ouro Honorário a seu colega Steven Spielberg, que vai exibir o doce "Os Fabelmans" por lá. Festivais gozam do afeto de Scorsese porque foi na Croisette, em 1974, em que ele, então um iniciante, exibiu o longa-metragem que bancou seu passe para o estrelato: "Caminhos perigosos" ("Mean streets"). "Quando eu trouxe esse filme pra Cannes, nos anos 1970, eu desfrutava de um anonimato que me permita ir de restaurante em restaurante, espiar o Wim Wenders e o Werner Herzog, que estavam começando também, e falar horas e horas sobre filmes. Era uma época em que a gente sabia onde estava cada objeto de uma cena filmada por diretores como Raoul Walsh, a quem eu idolatrava e ainda idolatro, como quem sabe a geografia de um espaço. Era geografia de set", contou o diretor em Cannes, em 2018, com a incontinência verbal (tensa e tímida) que lhe é peculiar. Na ocasião, ele ganhou o troféu honorário Carroça de Ouro e falou muito sobre a importância de "Taxi Driver" para o futuro que viria a construir. "Era um tempo de risco", disse o diretor, que participa como ator do longa, exibido sazonalmente pela TV Globo em versão dublada, com Reginaldo Primo emprestando a voz a De Niro. Nos anos 1980 e 90, o filme era exibido na TV com o monumental Carlos Campanile a dublar o eterno Touro Indomável de Hollywood. Scorsese encampou as filmagens de "Taxi Driver" substituindo um mestre. O projeto veio do casal de produtores es Julia e Michael Phillips, cuja ideia inicial era confiar a direção a Robert Mulligan (1925-2008). Realizador do sucesso "O Sol É Para Todos" (1962), Mulligan foi a primeira opção para narrar as neuroses do taxista Travis Bickle, que volta do Vietnã e inicia um conflito contra os marginais de Nova York. Mas, nas primeiras reuniões de produção, os Phillips perceberam a necessidade de um cineasta mais jovem, antenado às inquietações da geração que começava a revolucionar o cinema nos EUA. Mulligan parecia desconectado com o calvário sociológico que Julia e Micael buscavam levar às telas. Cogitou-se então Brian De Palma, para a direção, e Jeff Bridges para assumir o papel de Bickle. Mas o êxito da dupla Scorsese e Robert De Niro na (já citada) radiografia urbana "Caminhos perigosos" mudou os rumos do filme. Em uma entrevista publicada no jornal O Globo, em 2011, o roteirista do longa, Paul Schrader, fez um melancólico balanço daquele momento da História, na indústria audiovisual. "Quando eu entrei para o mundo do cinema, no fim dos anos 1960, o mercado cinematográfico também enfrentava uma crise. Mas era uma crise de conteúdo. Os filmes careciam de novos temas, novos heróis, novas atitudes. Mas, ao fim daquela crise, no início dos anos 1970, embarcamos num período de cerca de 15 anos de produções que traziam uma centelha de reinvenção, que desafiava a moral da tradição", conta Schrader, que trabalhou em dobradinha com Scorsese, adaptando os diálogos para o falar coloquial de De Niro. Juntos, ele, o ator e Scorsese fizeram de "Taxi driver" um marco da chamada Nova Hollywood, projetando ainda os jovens Harvey Keitel e Cybill Shepherd, além de uma Jodie Foster cheirando a leite, com 13 anos. Orçado em US$ 1,3 milhão, o filme foi laureado com a Palma Dourada de Cannes, sendo indicado a quatro Oscars (sem ganhar nenhum) e coroado com uma bilheteria de US$ 28 milhões.

p.s.: Falando de Argentina, o Cine Gaumont exibe o precioso "O Suplente" ("El Suplente"), de Diego Lerman, aplaudido no Festival de San Sebastián, sobretudo pela presença do ator chileno Alfredo Castro (de "No" e "Tony Manero"). Uma ode ao papel resiliente da educação escolar nas lutas do cotinente contra a violência e a intolerância. Na trama, um professor de Literatura, Lucio (Juan Minujín), que se esforça para salvar um estudante do universo de violência do tráfico de drogas.

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