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De antena ligada nas HQs, cinema-pipoca, RPG e afins

Destroços da II Guerra vão a Cannes em .doc de Loznitsa

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Por Rodrigo Fonseca
Atualização:
Cena do .doc "The Natural History of Destruction" Foto: Estadão

Rodrigo Fonseca Embatucada pelo colossal "Crimes of the Future", de David Cronenberg, Cannes recebe nesta terça o esperado "The Natural History of Destruction", documentário sobre a II Guerra cujo piloto é um dos mais críticos comentaristas da Guerra da Ucrânia, em oposição a Putin: Sergei Loznitsa. Egresso da Matemática, o diretor bielo-russo resolve a equação do Tempo, na divisão (ou na somatória) com o Espaço, como uma escultura sensorial, na aritmética da linguagem cinematográfica, olhando para a arquitetura da morte, imposta pelos nazistas, como quem propõe um inventário de cicatrizes. Há dez anos, ele saiu da Croisette com a láurea da Crítica, dada pela Federação Internacional de Imprensa Cinematográfica (Fipresci) a "Na Neblina", um thriller bélico, ambientado na URSS dos anos 1940. De uma verve documental autoralíssima (sobretudo em seu uso de imagens de arquivo), marcada por estudos sobre a paisagem e a população russa, com filmes aclamados como "Vida, Outono" (1998), "Estação de trem" (2000), e "Retrato" (2002), Loznitsa revisita, em seu novo longa, fotos do conflito entre o Eixo e os Aliados, com foco na manipulação das populações europeias pelos grupos totalitários. Há ainda uma conexão com a prosa do escritor W. G. Sebald. ""Eu não sei se o que vocês chamam de arquivo é referência ao patrimônio memorialístico de uma cinematografia ou do jornalismo ou se é uma alusão ao jogo retórico que se deposita sobre registros de uma época ou de uma situação. Seja qual for o caso, o que me interessa, nos meus filmes, é desconstruir processos de mitificação", disse Loznitsa ao Estadão num papo em Marrakech, quando começou o longa documental que chega agora a Cannes.

Loznitsa tem sido uma das vozes mais ativa na discussão do conflito na Ucrânia Foto: Estadão

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No terreno dos documentários, com filmes de não ficção indicados ao troféu L'Oeil d'Or, a Croisette não arreda pé de "MI PAÍS IMAGINÁRIO", de Patrício Guzmán (Chile). Cada vez mais certeiro em sua concepção dramatúrgica, o octogenário documentarista por trás do premiado "O Botão de Pérola" (2015) revisita os protestos em prol da democracia que mobilizaram sua pátria em 2019. Passeatas que evocam o Golpe de 1973, na era Allende, são decantados sob uma lupa crítica, que mira nos soldos ditatoriais das Américas. Há dois anos, Guzmán saiu de Cannes com o L'Oeil d'Or, por "A Cordilheira dos Sonhos". Este ano, ele pode repetir o feito.

"Spring Roll Dream", do Vietnã Foto: Estadão

Embora tenha decepcionado na competição oficial de longas com "Decision to Leave", um thriller policial no qual Park Chan-Wook gourmetiza seu estilo cru, criando uma narrativa gongólica, a Coreia do Sul pode surpreender na competição pela Palma de Ouro de curtas com a animação "Gakjil", da diretora Sujin Moon, sobre uma alma feminina que é encarcerada pela própria persona. Outro curta-metragem animado que pode fazer bonito na Croisette - mas na mostra La Cinef, dedicada a estudantes - é a crônica de costumes a vietnamita "Spring Roll Dream", da realizadora Mai Vu. Na trama, um patriarca do Vietnã vai cozinhar comida típica pra filha, em solo estrangeiro, e vê os alimentos ganharem vida. Noutras latitudes, na Quinzena dos Realizadores, há uma forte expectativa em torno de um longa chileno, o drama "1976", de Manuela Martelli, sobre as sequelas políticas de Pinochet.Cannes chega ao fim no sábado. Apesar da excelência de Cronenberg em concurso, segue forte a torcida por "EO", do polonês Jerzy Skolimowski, sobre um burro que luta pela sua sobrevivência numa Europa hostil com os animais.

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