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'O Gênio e o Louco' é um dos achados da grade da Amazon Prime hoje no Brasil

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Por Rodrigo Fonseca
Atualização:
Sean Penn (à direita) sorri pra Mel Gibson em "O Gênio e o Louco" - Foto: @Golden Scene + Imagem

Rodrigo Fonseca Visto em maio, em Cannes, na disputa pela Palma de Ouro com "Black Flies", Sean Penn tá mobilizando a Netflix com a inclusão de um de seus melhores filmes no posto de cineasta - "The Pledge", aqui chamado "A Promessa" e "O Juramento", com Jack Nicholson dublado por Francisco Milani - na grade da plataforma. Pelo streaming afora, há outros títulos dele em destaque, tanto no posto de diretor ("Flag Day: Lembranças Perdidas") como de ator ("Colors - As Cores da Violência"). Mas há um filme com ele, na Amazon Prime, que merece atenção: "O Gênio e o Louco", lançado aqui em 2019. É "A" pedida da streaminguesfera pr'esta segunda. Escrito pelo cineasta inglês John Boorman ("Amargo pesadelo"), em parceria com o produtor Todd Komarnick e com o cineasta de origem iraniana Farhad Safinia, a partir do livro "The Surgeon of Crowthorne" (1998), de Simon Winchester, "The Professor And The Madman" (o título original do longa) foi um projeto de US$ 25 milhões que quase bateu na trave por conta de divergências judiciais entre a Icon e a Voltage Pictures. As duas divergiam sobre certas liberdades criativas na adaptação, que, inicialmente, seria dirigida por Mel Gibson. Toneladas de discussões ocorreram até que o filme acabou nas mãos de um estreante: Safinia. Ele só havia rodado um curta, "Outside the box" (2001). Mas como Gibson - que vive um dos papéis centrais do filme - costuma manter suas produções pessoais sobre um controle de qualidade rígido, a falta de experiência do realizador não se faz notar - ou doer. Chega a surpreender a habilidade com que Safinia consegue equilibrar egos tão inflados - e distintos - como os de Gibson e o de Sean Penn, ambos magistrais no resgate histórico do processo de criação do dicionário "Oxford". São atores de temperamentos conflitantes, mas que se deram bem. Já houve ator desistindo de filmar com Gibson, diante do jeitão irascível dele, como foi o caso de Robert De Niro em "O Fim da Escuridão", substituído às pressas por Ray Winstone.

Mais do que ser "um filme sobre um livro essencial", este drama sobre enciclopedismos foca sua mirada iluminista sobre uma amizade real. Seu roteiro recria a relação de afeto entre o linguista autodidata James Murray, possuído pela onipotência da vaidade literária, e o médico William Chester Minor, vítima de esquizofrenia. Difícil é saber quem é quem quando se avalia o título original deste drama de época, amparado por uma fotografia saturada (clicada por Kasper Tuxen), que amplia sua dimensão teatral. No Brasil, Renato Márcio dublou Murray (um papel pleno para Gibson) e Hélio Vaccari emprestou sua sabedoria a Minor (Penn). Na montagem, vemos planos longuíssimos em que ambos os personagens, cada qual em seu cenário (um num hospício, outro, num gabinete), entregam-se a solilóquios apaixonados. É um exercício de linguagem clássico, que evoca "O homem que não vendeu sua alma" (1966), de Fred Zinnemann, e "Amistad" (1997), de Spielberg. O verbo é a água benta que dessalga os pecados de seus protagonistas e afasta os demônios de ambos, permitindo uma comunhão de almas e de saberes. Gibson relembra seus melhores dias como ator (de "Gallipoli" a "O preço de um resgate") numa esgrima com Penn. É um filme que merece uma redescoberta. É pra isso que o streaming existe (também).

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